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13 de agosto de 2018

Ratos, espadas, dados e uma narrativa sofisticada!

Por João Rodrigo Almeida & Eder Marques

Conforme vimos no artigo anterior, Mouse Guard RPG foi escrito por Luke Crane, autor do sistema Burning Wheel. Aqui, o autor utiliza elementos de BW, adaptados para o cenário e a mecânica dos ratinhos espadachins, dispondo de alguns truques interessantes que adicionam agilidade ao jogo e atendem a um conceito importante de Mouse Guard: a estatística só está lá para adicionar diversão e nunca para sobrepujar a interpretação!

Personagens

Um personagem de Mouse Guard (que é obrigatoriamente um membro da Guarda) é constituído de habilidades, perícias (e especializações delas), algumas particularidades (chamadas de características) e um conjunto de três atributos dinâmicos que não estão sujeitos a pontuação, mas que definem quem sua persona é e qual será sua conduta perante os desafios do jogo! A Crença, o Objetivo e o Instinto são frases ou motes que devem ser criados e interpretados pelos personagens, e é através desse processo que o jogador ganha elementos para a resolução dos conflitos e de eventuais testes que precise realizar durante o jogo. Existem outros elementos que o permitem ser recompensado por suas ações e interpretação, todos focados no quão a vontade ele está com as convicções de seu personagem. Simples e divertido!

Mecânica

Os testes em Mouse Guard são realizados ao rolarmos uma habilidade ou perícia. O valor desse atributo determina o número de dados rolados contra uma dificuldade, chamada de obstáculo. Os outros atributos, equipamentos, armas, pontos ganhos por interpretar seu personagem e outros fatores como o trabalho em equipe, vão alterar os possíveis resultados desses dados.

Em Mouse Guard existem dois tipos de testes – independentes (aqueles que estão condicionados a uma dificuldade ou obstáculo fixo) e versus (quando são comparados e dependem do número de sucessos de cada lado).

Situações como uma batalha campal contra as doninhas, um duelo criado para distrair os cidadãos ou uma negociação na feira da cidade, envolvem o conceito de conflito. É quando a ação acontece, seja ela física, social ou psicológica. Os conflitos podem envolver apenas seu personagem ou toda sua patrulha de guardiões, dividida em times. Um personagem assume a liderança e/ou iniciativa do conflito e realiza os testes. O time escolhe ações predeterminadas que permeiam o sistema: Atacar, defender, manobrar e fintar. Também rola a disposição, uma espécie de pool e contador para o conflito. Além disso, o time ajuda o líder com dados extras e descrições de como apararam os golpes e outras peripécias. Muito roleplay, trabalho em conjunto pré-estabelecido, estratégia e algumas estatísticas. Discretas e simples o suficiente para caberem em sua ficha de personagem. Sofisticado, hã?

Dividindo os turnos: Mestre e Jogador

A estrutura das histórias narradas em Mouse Guard se divide essencialmente em duas etapas, ou turnos para ser mais exato, o Turno do Mestre e o Turno dos Jogadores.

Em seu turno, o Mestre cria a base da história fornecendo um objetivo, ganchos para o enredo e impondo os desafios que os jogadores terão que superar. Como membros da Guarda, isso geralmente envolve algum tipo de missão ou tarefa.

Já o Turno dos Jogadores é uma parte do jogo focada nos personagens, eles podem resolver questões pendentes, objetivos individuais e lidar com as consequências da missão. O mestre tem certo papel no turno dos jogadores, mais como supervisor do que como mediador das regras.

Evolução das perícias

Outro ponto digno de nota em Mouse Guard é o seu sistema de evolução de personagens. Para melhorar uma determinada perícia no jogo o personagem passa por um processo contínuo que envolve seus acertos e erros cotidianos na aventura. Ele os anota e quando tiver um número de acertos em testes igual a sua graduação na perícia, somado a um número de erros igual a esse mesmo valor, menos um, evolui um ponto na perícia em questão. Parece mais fácil do que realmente é!

Cria uma sensação de que os personagens devem se pôr à prova e aproveitar a experiência como um todo, nos erros e nos acertos.

Este artigo foi uma versão bastante resumida das principais mecânicas de jogo de Mouse Guard. Fato é que o jogo tem muitos detalhes dignos de nota. Ele é um jogo único em sua temática e enredo, com mecânicas que visam reforçar a experiência narrativa, uma experiência de jogo quase poética!

No próximo artigo, vamos falar um pouco sobre o processo de tradução da obra, sobre os desafios e o cuidado envolvido com termos de jogo, nomes de lugares e animais, e com o ritmo de leitura deste material. Até a próxima!

31 de julho de 2018

A destemida Guarda dos Ratos

por João Rodrigo Almeida

A morte é tanto uma arma poderosa quanto uma fuga fácil. Heróis podem virar lendas. Lendas viram mitos. Mitos inspiram novos heróis.

— Últimas palavras de que se tem conhecimento do Machado Negro, herói da Guarda.

Imagine um cenário fantástico que remete a tempos medievais, repleto de adversidades. Aqui não há seres humanos e sim, ratos civilizados que portam capa e espada, e vivem para defender seu povo de todos os perigos e predadores, protegendo o território que clamaram para si e as cidades que criaram para os seus. Seja nos Territórios dos Ratos ou na vizinhança, as condições do clima e a cadeia alimentar determinam sua frágil sobrevivência.

Nessa perspectiva surgiu Mouse Guard, uma série de quadrinhos recheados de ação e aventura, criados por David Petersen e caracterizados por artes belíssimas que remetem a fábulas e narrativas pautadas por valores dignos dos romances de cavalaria como bravura, amizade e honra.

A primeira série foi lançada em 2006 e tornou-se sucesso de público e crítica. Suas vendas ultrapassaram um milhão de exemplares, algo nem sonhado para uma publicação indie. Mouse Guard foi indicado a diversos prêmios e faturou o mais importante dos quadrinhos, o Eisner Awards de 2008, na categoria Melhor Álbum Infanto-Juvenil. A premiada série Fall 1152 (Outono de 1152) foi publicada no Brasil em 2008 pela Editora Conrad com o nome Os Pequenos Guardiões. A ela, sucederam outras séries nos Estados Unidos e Europa, sempre motivo de alvoroço entre os fãs.

Não demorou para que o autor, jogador declarado de RPG, cogitasse um cenário baseado em seus quadrinhos. Com autoria de Luke Crane (criador do sistema Burning Wheel) e projeto gráfico assinado pelo próprio Petersen, o RPG de Mouse Guard foi lançado em 2008 pela Archaia Studios Press e arrebatou (assim como a série de quadrinhos) prêmios importantes como o Origins Awards e o ENnie Awards.

O RPG de Mouse Guard prima pela simplicidade e por um texto informal e direto, com um esquema visual que permite que jogadores e mestres entendam quais são os conceitos endereçados a cada um. A autenticidade da obra não reside apenas na praticidade do texto, claramente focado no roleplay; a ordem dos capítulos também é inovadora, pois apresenta o cenário de Mouse Guard usando os personagens principais da série Outono de 1152 (ou Pequenos Guardiões). Além disso, oferece e recomenda templates de personagens para que o jogo aconteça o quanto antes e deixa o capítulo de criação de personagens por último, para quando você estiver completamente apaixonado habituado ao cenário.

Aqui cabe uma ressalva, embora o livro esteja recheado de ilustrações dos quadrinhos e tenha um projeto gráfico de autoria do criador e artista das HQs, não é necessário ler os quadrinhos para jogar o RPG de Mouse Guard. O próprio autor enfatiza que o jogo que você vai criar, é seu! Por experiência, o que acontece é que ao ler os capítulos sobre os Territórios, As Estações do ano, os animais selvagens e as doninhas (antagonistas naturais dos camundongos em Mouse Guard) você vai ter vontade de escrever suas próprias histórias em quadrinhos.

Mas afinal, do que se trata essa guarda de ratos a qual o título se refere?

Tanto nos quadrinhos quanto no RPG, os protagonistas das histórias desse cenário são os valorosos membros de uma irmandade de abnegados camundongos que seguem um código moral, conhecidos como a Guarda. Os guardiões (como também são conhecidos) têm a árdua tarefa de manter a paz e a civilidade nos Territórios dos ratos, bem como atuar na defesa das comunidades em que vivem, além de vigiar as fronteiras, escoltar e resgatar seus compatriotas e batalhar contra seus inimigos, quando necessário. Então, em Mouse Guard RPG, jogaremos com guardiões que não possuem alinhamentos ou magia. Os ratos da Guarda contam com sua coragem, inventividade e valores para zelar pelo bem comum e garantir sua sobrevivência.

Para garantir aventuras divertidas, o autor utiliza seu sistema de dados de seis faces que prioriza as mecânicas simples, mas que dinamiza a resolução de praticamente qualquer situação com conceitos que exigem dos jogadores, inteligência, cooperação, estratégia e trabalho em equipe.

Na próxima semana vamos conversar em mais detalhes sobre os conceitos do jogo, sistema de pontuação de características, além da interessante mecânica de resolução de conflitos de Mouse Guard RPG. Em seguida, falaremos sobre o projeto de Mouse Guard da RetroPunk e por último, abordaremos ambientações e aventuras protagonizadas por ratos, doninhas, serpentes e corujas!