Por Fábio Sapragonas
O segundo volume da série “O Rei Amarelo” (ORARPG) tem o título “As Guerras”. Como explicado no primeiro volume, ORARPG é baseado nas regras de Gumshoe com algumas variações que são elaboradas no sentido de valorizar o elemento principal do jogo: a narrativa.
O nome pode enganar, mas o “As Guerras” é um jogo altamente narrativo. O cenário é localizado no ano de 1947, porém, temos que deixar de lado o que conhecemos sobre a história do nosso mundo. Não houve Primeira, nem Segunda guerras. O tipo de guerra que o leitor encontrará é no estilo das anteriores à Primeira, assemalhando-se mais às Napoleônicas e às do século XIX, porém, permeadas com elementos fantasiosos de aetherpunk (ou arcanepunk ou magicpunk) misturado com weird horror e weird science.
Os jogadores não serão estimulados a elaborar estratégias rebuscadas e mirabolantes no campo de batalha, mas, pelo contrário, explorarão cenários assustadores e sanguinolentos, os quais, pouco a pouco, revelam que a guerra extrapola as questões humanas. Artefatos alimentados e movidos por elementos mágicos desconhecidos, seres que parecem ora cavalos, ora monstros, soldados mortos de forma estranha e uma série de mistérios surgem. É essa guerra estranha que os investigadores enfrentarão.
Como o aspecto narrativo é a preocupação central do livro, é importante ter em mente que ele compõe uma parte da história que é desenvolvida nos quatro volumes. Ou seja, o volume “As Guerras” é mais adequado para ser usado dentro dessa grande narrativa, principalmente pela questão das regras específicas que são explicadas no primeiro livro.
No entanto, por ser focado na narrativa, é possível jogá-lo isoladamente. Se você já jogou Rastro de Cthulhu ou Gumshoe conseguirá entender e inferir as regras e adaptá-las. Pelas várias orientações narrativas e ganchos que fornece, as quais vão desde a introdução até o capítulo final, é possível conduzir a aventura caso o moderador e os jogadores não tenham jogado o primeiro livro. Ainda que aqui e ali, alguns pontos possam parecer pouco claros, é possível jogar essa aventura isolada, pois os aspectos obscuros não farão tanta diferença, já que pertencem ao arco maior, que abarca os quatro livros da série, e podem facilmente ser adaptados.
Alguns dos suportes narrativos oferecidos pelos livros são a descrição de várias máquinas de combate marinhas, aéreas e terrestres, sendo que o contato com cada uma pode gerar uma aventura ou, pelo menos, uma cena específica. Há também uma seleção bem descrita de monstros e terrores para serem usados, assim como ideias e ganchos para desenvolver cenas ou aventuras envolvendo a descoberta de tais seres.
O mesmo ocorre com os coadjuvantes, que podem ser usados como personagens recorrentes, fornecedores de missão, ou um inimigo ocasional que pode durar algumas aventuras, ou pessoas de uma vila, cada qual com uma personalidade, com seus dilemas e com seus segredos. O livro apresenta várias possibilidades de como usar esses coadjuvantes, às vezes apresentando diferentes alternativas para os mesmos personagens. Essa variedade de caminhos para um personagem pode também ser adaptada ou transformadas em motivações de personagens novos, gerando mais cenas e aventuras.
Um dos méritos da proposta do jogo é justamente trazer os horrores de uma guerra para uma abordagem de terror e de forma narrativa. Ainda que seja uma guerra estranha, basta lembrarmos sobre as dificuldades que os combatentes das duas guerras mundiais (principalmente da Primeira) tiveram em narrar o que aconteceu. As duas Guerras foram os primeiros grandes eventos de guerras totais entre nações e pessoas que se viam como superiores e iguais. Em outras palavras, elas foram disputas que empregaram todas suas forças de produção nacionais com a finalidade de destruir as outras nações, principalmente europeias e de brancos antes otimistas pelos caminhos que a sociedade ocidental parecia tomar, baseados no progresso e nas maravilhas da ciência. Portanto, as Primeira e a Segundas Guerras foram, em si, guerras estranhas e terríveis, com tecnologias e técnicas de guerras e de assassinato em massa até então desconhecidas.
Logo, aventuras narrativas permitem explorar as especificidades dessas experiências aterrorizantes e interpretar todas as tecnologias mágicas, monstros alienígenas e motivações misteriosas dos líderes do “As Guerras” como uma grande metáfora dos horrores das guerras históricas do século XX.
O segundo volume de ORARPG também pode ser levado de uma maneira mais leve, com horrores alienígenas e desconhecidos de uma forma mais pulp e de ação, com os investigadores desempenhando o papel de grandes heróis em potencial lidando com artefatos maravilhosos. Também é possível brincar com anacronismos e deturpar convenções: o próprio livro aborda sobre como usar personagens femininas, já que mulheres não eram comuns em campos de batalha, nesse cenário. Mas é possível extrapolar esses pensamentos, ainda mais se o vilão for, na verdade, uma vilã.
Outra possibilidade de extrapolação é imaginar o que teria acontecido nesse mundo alternativo com os personagens históricos e ideologias do nosso mundo? O livro também dá uma ideia de como trabalhar com eles. Eles ainda teriam relevância? Se sim, em que contexto? Como existiriam? Por fim, há bastante liberdade também para os jogadores incluírem questões próprias. É um mundo alternativo e estranho, ou seja, diferente daquilo que aceitamos como histórico, como o passado acontecido.

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