Por Fábio Sapragonas
Se você está aqui (no site) é porque está interessado em RPG. Como todo jogo, o RPG tem regras, as quais servem para dimensionar o que e como é possível jogar. O que dá ao RPG uma complexidade própria são justamente as camadas de regras.
Uma camada possível é a das regras que normatizam e dão as dimensões das possibilidades de ação, do que e como é possível fazer em um mundo. Cada jogo de RPG disponível no mercado é um conjunto de regras que com frequência se articula a um cenário ou um mundo. Há também os RPGs genéricos, aqueles que apresentam um conjunto de regras sem um cenário definido, pois pode ser aplicado para diferentes cenários. No entanto, mesmo nesses casos, o sistema, ao apresentar suas regras, cria uma forma de funcionamento, de economia de ações e de mecânicas de jogo que dimensionam as possibilidades.
O RPG é também um jogo de interpretação, o que dá a ele outra camada. As regras não são somente sobre as possibilidades do que um jogador pode fazer, mas também sobre quem ou o quê o jogador pode ser, o que também determina as formas de ele agir no mundo. E isso está ligado a como aquele personagem pode ser, ou seja, fornece um espaço possível de como o jogador pode interpretá-lo.
Como já deve estar claro, essas duas camadas estão ligadas e é justamente essa interdependência delas que faz o jogo do RPG único. Seu personagem não pode fazer tudo em um mundo, uma vez que está limitado pelas suas habilidades, as quais também não são apenas o quê ele pode fazer, mas também orientam como e por que ele fará.
Porém, nenhum sistema é uma obra finalizada. Todo livro de RPG que você adquire, uma vez seu, torna-se uma obra coletiva sua com os autores. Você pode criar – e com frequência será levado a isso – características e fatos para esse mundo. Você pode também definir novas formas de funcionamento das mecânicas, pois, às vezes, o livro não é explícito ou direto sobre como resolver alguma questão que surge na mesa de jogo. Você e seus amigos de mesa podem, ainda, achar que alguma regra não reflete bem ou não dá conta de toda a complexidade de alguma ação ou jogada possível. Em outras palavras: em algum momento, vocês terão que mudar ou criar regras para o seu jogo. E, sim, essa decisão normalmente é coletiva, pois todos são participantes e “vivem” naquele mundo.
Uma fonte valiosa para pensar regras novas é a experiência de vocês com outros sistemas. Outros jogos de RPG podem ser usados como inspiração ou mesmo de onde se pode “roubar” regras. Contudo, é importante ter cuidados. O principal deles se refere ao que já dissemos: parte das regras de um sistema diz respeito à construção de um mundo, de um cenário e dos personagens. Ou seja, as regras emprestadas precisam, na maior parte das vezes, de adaptações, caso contrário, podem descaracterizar o mundo, o cenário e os personagens.
Considere um jogo como o de Rastro de Cthulhu (RdC), no qual deve existir uma sensação de incerteza, perigo e ameaça constantes. Agora, pense em uma mecânica como os benes de Savage World.  Os benes são benefícios que certos personagens (dos jogadores ou do mestre) iniciam em uma mesa ou podem adquirir conforme seu desempenho. Os benefícios podem ser a oportunidade de rolar novamente um dado, de absorver ou rerrolar um dano, de pedir uma dica para o mestre ou de improvisar um item que ajude a resolver algum problema. Então, cabe uma questão: seria possível usar a mecânica de benes no sistema de RdC? Depende da história que vocês querem contar e vivenciar.
Imagine uma história de RdC estilo pulp em que há um assassino tomado por alguma força sobrenatural que o faz capaz de resistir a tiros, golpes dos mais diversos tipos de armas (inclusive improvisadas), quedas, fogo, eletricidade e tudo mais que causaria um dano considerável a um ser humano comum. Uma forma de representar essa resiliência dos “heróis” de filmes slasher seriam os benes. Ou seja, o guardião não anunciaria que possui benes e, após usar o primeiro, esconderia quantos possui, o que contribuiria para o aumento da tensão para os jogadores, já que, a qualquer momento, o assassino pode ignorar uma parte do dano sofrido ou dar um golpe mortal.
Os benes também podem ser usados pelos jogadores, porque, nesse tipo de história, sempre tem um jovem que sobrevive a uma machadada no bucho e que volta para salvar o grupo ou que consegue pensar ou encontrar uma solução para vencer o “monstro”. O ideal seria não distribuir muitos benes, talvez um para o grupo todo ou um para cada jogador, pois um assassino cruel dificilmente daria uma segunda chance para suas vítimas.
O Rastro também tem uma premissa muito boa, própria do sistema Gumshoe: o importante não é achar as pistas, mas as interpretar. Ou seja, é um foco maior na interpretação e na experiência da história do que em mecânicas de como achar as informações que permitem avançar na aventura. Essa é uma “regra” bastante útil para usar em outros sistemas quando vocês estão mais preocupados com a história.
É frustrante para todo mundo quando os jogadores chegam a uma determinada situação ou cena e, por alguma rolagem mal sucedida ou pela falta de alguma perícia específica, não conseguem avançar. Caso algo assim aconteça, nada impede que o narrador use alguma perícia como sinergia ou mesmo disfarce uma rolagem dos jogadores para revelar a informação necessária para que eles possam avançar na aventura.
Nesse sentido, cabe valorizar mais as capacidades interpretativas e de como os jogadores podem e conseguem usar suas habilidades de personagem não só como mecânicas de jogo, mas também como suportes interpretativos para que descubram um pista determinada, ou percebam aquele cara estranho sentado na mesa do fundo, pois, o mais importante, não é perceber o sujeito, mas ouvir o que ele tem a dizer.
Nenhum sistema é obra fechada, pois o jogo de RPG é dinâmico e essa dinâmica se reflete sobre as regras. Não tenha medo de adaptar regras, buscar soluções em outros jogos e remontar seu sistema preferido.

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