Por Fábio Sapragonas
Já é um ponto batido que um jogo de RPG deve divertir todos os seus participantes. Essa finalidade diz muito ao mesmo tempo que não resolve nada, porque nem todos se divertem da mesma maneira. Um exemplo simples disso é que em uma mesa de RPG há uma pessoa que normalmente assume um papel e uma função diferentes dos outros: o narrador, guardião, mestre ou o “título” que couber.
Quem assume a posição de narrador tem uma grande parte da responsabilidade de tornar as coisas divertidas e isso passa por utilizar um sistema e elaborar ou adaptar uma aventura. É importante que cada uma dessas etapas não seja chata ou estressante, pois um mestre irritado, desgostoso ou muito inseguro tem um grande potencial de transformar uma sessão em algo enfadonho ou desestimulante.
Um sistema bastante confortável, tanto para narrar, quanto para elaborar ou adaptar uma aventura é o Rastro de Cthulhu (RdC). As aventuras para ele funcionam quase como um roteiro, uma vez que  consistem no encadeamento entre cenas por meio de pistas que os jogadores descobrem, as quais permitem que eles avancem na história. Essa estrutura beneficia tanto jogadores e narradores novatos ou no mundo dos RPGs ou no sistema, assim como também não limita aqueles mais experientes.
A dinâmica de desenvolvimento de uma aventura de RdC dá ao mestre iniciante um controle bastante grande dos rumos da aventura, sem arriscar se perder em um universo de ideias e tentativas dos jogadores. Caso jogue com jogadores também iniciantes, o narrador, ao criar uma estrutura simples de descobertas de pistas e os caminhos para quais elas conduzem, tem ao seu favor que o grupo estará no processo de entender e experimentar o sistema e seus personagens. O trabalho do mestre, nesse caso, é construir um roteiro praticamente linear e estruturalmente simples, que abarque da onde os personagens saem, até onde devem chegar e quais serão os desafios e obstáculos nesse caminho, até alcançarem a solução do mistério. E aqui temos outro aspecto interessante do sistema que facilita bastante o trabalho de narradores.
Em RdC, mesmo que os jogadores fracassem no combate, não significa que não foram bem-sucedidos. Descobrir o que está por trás das mortes que ocorrem, das pessoas quedesaparecem, dos fenômenos estranhos no céu, ou outra coisa terrível que aconteça resulta no confronto contra o mal que está causando tudo aquilo. A motivação dos jogadores é descobrir o mistério e, ao revelarem o grande segredo, terão que enfrentar algum perigo e esse conflito é sempre uma perda, senão da vida do personagem, pelo menos da sua sanidade.
Há, assim, um paradoxo e uma tensão constante em uma mesa de RdC: a tentativa de sobreviver. Esse é um dos aspectos interessantes da narrativa e que cabe uma atenção grande do guardião, a qual já  começa na orientação da construção dos personagens. Essas características fazem com que o sistema de combate de RdC pareça básico se comparado a outros sistemas e, de fato, ele é bastante simples. Isso ocorre porque é um sistema que se importa menos com uma administração complexa de um tabuleiro e de economia de ações e mais com os recursos dos personagens, no caso, as habilidades que eles possuem.
Portanto, o combate não existe como uma pausa na história que está sendo contada, mas é, muitas  vezes, o ápice da narrativa, o momento final da tentativa de sobrevivência e, por isso, parte mesmo daquela história.
Logo, RdC é também um jogo de sobrevivência: o jogador e o grupo devem administrar bem seus pontos de habilidades e como, onde e em que momento os gastarão. Portanto, os jogadores devem sentir que a sobrevivência é difícil, mas não impossível – pelo menos, não até a hora que, conforme a história, só reste o desespero.
Essa situação cria um desprendimento maior, tanto nos jogadores, quanto no narrador, em relação aos personagens, o que permite experiências, tal como o rodízio de narradores, a tentativa de estruturas narrativas inovadoras, o experimento na construção de personagens e a tentativa de ações diversas.
Com base nisso tudo, não é difícil de concluir que RdC é um sistema que valoriza a narrativa e o encadeamento da história. A diversão dos jogadores, nesse aspecto, consiste em conseguir usar suas habilidades e, em alguns casos, talvez gastar pontos, para descobrir as pistas que revelarão os caminhos a serem percorridos para revelar o mistério. É a descoberta gradual do que de fato está acontecendo. Cabe, então, ao narrador envolver os jogadores nessa narrativa, inclusive usando as motivações dos personagens e provocando e criando ameaças aos seus pilares de sanidade.
Além disso, é importante também convidar os jogadores a influenciarem na história, confirmando o que eles acreditavam, subvertendo o que parecia, para eles, óbvio, ou estimulando-os a ajudar na criação dos cenários conforme escolhem como agir.
Ou seja, conforme os narradores forem adquirindo familiaridade e confiança no sistema, eles podem construir suas aventuras, criando história menos lineares, com mais pontos de bifurcação, com possibilidade mais abertas, deixando mais espaço para improvisação e para as sugestões não intencionais dos jogadores durante o jogo, com a criação de roteiros menos engessados e com encadeamentos múltiplos. 
No campo das mecânicas de jogo, também conforme se adquire experiência, os jogadores e o guardião se sentirão mais livres e até motivados a complexificá-las, buscando usar de maneiras novas suas habilidades, ou trazendo monstros e inimigos com mais recursos, apresentando novos desafios para todos.
Com o desenvolvimento da familiaridade com o sistema e com jogos de RPG, os jogadores praticamente se tornam autores também, pois o livro de regras ou a aventura adquirida se torna um trabalho coletivo do(s) autor(es) e do jogador. O grupo readequa as regras e o cenário para melhor funcionar e, portanto,  divertir-se.

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