Por Thiago Rosa

É uma cena típica com a qual você já está acostumado. O Demolidor entra num corredor e encontra um monte de inimigos. Isolados eles não seriam um problema, mas juntos eles são um desafio real para o Homem Sem Medo. O combate que se segue serve para mostrar como o personagem é habilidoso e irado, além de manter o telespectador tenso.

O combate com múltiplos inimigos é um elemento tradicional de mídias que lidam com ação e aventura. Como tal, é frequentemente representado em RPG. Como lidar com essa questão varia de jogo para jogo. Sistemas que usam pontos de vida costumam ter dificuldade em retratar essas situações, já que mesmo personagens menores podem facilmente ser muito duráveis. Para resolver esse problema, eles costumam criar uma categoria especial de personagem. Chamados frequentemente de “capangas”, esses personagens costumam ter habilidades ofensivas normais, mas habilidades defensivas muito fracas. Dessa forma, eles ainda podem desafiar o Demolidor no corredor, mas caem diante de seus ataques. Embora seja uma solução interessante, ela é desnecessária em Savage Worlds. Afinal de contas, temos algo ainda melhor.

Um mundo inteiro de capangas

Temos dois tipos de personagens em Savage Worlds. Os Cartas Selvagens, mais aptos e heróicos, o que inclui os personagens jogadores e alguns antagonistas. E os Extras, menos impressionantes mas ainda perigosos. Ou seja, Savage Worlds toma o caminho reverso daquele dos sistemas com pontos de vida que mencionamos antes. Aqui, os jogadores é que são diferentes e especiais. Todo o resto do mundo (ou, pelo menos, quase todo o resto do mundo) é de capangas!

Se você for um jogador experiente de Savage Worlds, nada disso será novidade para você. Inclusive, você provavelmente tem histórias interessantes sobre as vezes que enfrentou hordas de inimigos com seu grupo. Pode contar nos comentários do artigo as “cenas do corredor” pelas quais você passou, seja como mestre ou como narrador. Estamos muito interessados em saber!

O que você pode ter observado nesse contexto, porém, é uma facilidade de cair numa atividade simplesmente mecânica. Descrever como o Demolidor nocauteou cada um dos doze capangas pode ficar difícil ou cansativo, especialmente quando eles não são facilmente identificáveis.

A necessidade de se importar

Quando interagimos com elementos do mundo de jogo, praticamos o que é comumente chamado de “imersão”. Imaginamos aquele mundo, nos colocamos no lugar do personagem e deixamos aqueles acontecimentos nos afetar da forma que achamos que os afetariam. Em cenas de interação social, isso é especialmente fácil; afinal, a interação está acontecendo de fato na mesa. Você conversa com seu narrador e ele diz o que os extras dele estão fazendo ou falando. É uma experiência muito mais direta. Talvez por isso muitas pessoas confundam a interação social com a interpretação do personagem. O quadro é um pouco mais amplo que isso.

Em combate, os personagens também devem ser interpretados. Na verdade, nas mídias que servem de referência para o RPG, combates e cenas de ação são ferramentas importantes para a construção do personagem e de como a audiência deve compreendê-lo. Voltando mais uma vez para o Demolidor, suas cenas de luta deixam claro que ele é competente mas está longe de ser invencível. Elas enfatizam a vulnerabilidade do personagem e o humanizam por conta disso. Esse sentimento é possível pela construção cautelosa da locação, dos personagens, da linguagem corporal dos atores, do trabalho do coreógrafo, dos ângulos de câmera usados e certamente de outros fatores que só quem esteve presente pode confirmar com certeza. Nós não temos todos esses fatores nas mesas de RPG. Temos apenas os jogadores, o mestre e (às vezes) miniaturas. Como podemos fazer para invocar esse mesmo sentimento?

Quando os personagens dos jogadores enfrentam personagens sem rosto e sem nome, eles tendem a cair no esquecimento e frequentemente são considerados incompetentes. Um exemplo clássico são os stormtroopers de Star Wars. Nos primeiros filmes, o texto dos atores tentava construí-los como uma ameaça real. Na prática, vemos rapidamente que eles nunca acertam seus tiros. Os confrontos com stormtroopers acabam tendo menos tensão. Claro, ainda nos preocupamos com os protagonistas. Não queremos ver a Princesa Leia ou o Demolidor morrer nas mãos de mais um stormtrooper ou ninja do Tentáculo. Mas, depois de dois ou três encontros sabemos que isso não vai acontecer.

Mantenha seus combates perigosos

Frequentemente, pensamos em confrontos difíceis em RPG como as “batalhas de chefe” em videogames. Eles acontecem em momentos dramáticos, envolvem personagens ou criaturas mais poderosas que os personagens dos jogadores e são bem demorados. Nada disso precisa ser verdade.

Se todas as vezes que seus jogadores encontrarem uma horda de inimigos eles começarem a achar que vai ser moleza e uma chance de testar aquela Vantagem nova que ele pegou recentemente, nenhuma das outras dicas desse artigo vai funcionar. Um encontro só pode ser levado a sério se algo importante está em jogo. Muitas vezes isso é uma situação que surge dentro da campanha. Se os jogadores estão numa corrida contra o tempo, qualquer batalha contra capangas de meia tigela pode ficar tensa; afinal, cada segundo conta! Outras vezes, porém, a única coisa de real valor em questão será a vida dos personagens. Para manter a tensão dos jogadores nessas situações, você precisa ameaçá-los com um risco real de morte. Use táticas a seu favor. Faça os extras usarem a regra de agrupar (Edição Brasileira de Savage Worlds, página 91). Lembrando que os extras são descartáveis, faça-os usarem ataques selvagens (página 92). Cinco capangas com Lutar d6 parecem muito mais perigosos quando seus ataques usam d6+6 e causam +2 pontos de dano! Combinar essas dicas com a contagem regressiva (página 170) pode tornar os combates contra capangas muito mais tensos.

Descreva seus capangas de forma diferente

Um dos momentos mais surpreendentemente populares de Star Wars: O Despertar da Força é quando um stormtrooper encontra o protagonista Finn, o declara um traidor, saca uma arma diferente e parte para uma das melhores cenas de ação do filme.

Esse stormtrooper sem rosto ou nome continua em nossas memórias por uma fala marcante e uma característica visual interessante, sua arma. Esse é um recurso que pode ser facilmente utilizado por narradores para adicionar tempero a encontros com capangas.

A Edição Brasileira de Savage Worlds oferece dicas para desenvolver a personalidade de extras (página 170), incluindo decidir quais atores os interpretariam caso fosse um filme. Isso é uma excelente dica para personagens recorrentes, mas quando se trata de combates com muito capangas pode ser cansativo e difícil de demonstrar. Se você for dublador e conseguir fazer doze vozes diferentes para um combate, ótimo! Caso contrário, essa dica pode ajudar.

Defina uma característica visual interessante e facilmente distinguível para cada capanga. Um deles pode ter uma barba desgrenhada, outro pode ser careca, outro ainda pode usar um machado em vez das espadas que os demais usam. Quem sabe um esteja usando uma camiseta florida ou tenha uma tatuagem no rosto. O que importa é que você possa permitir que os jogadores se lembram desses capangas e se refiram a eles por essas características, já que eles não tem nome. “Vou continuar atacando o careca, já que ele me acertou na última rodada” é o tipo de frase que indica que essa abordagem está funcionando.

Além disso, defina pelo menos uma fala de impacto para ser usada durante a luta. É importante escolher apenas uma para não banalizar seu uso ou acabar rapidamente com seu repertório. Pode ser um grito de guerra invocado no momento de um ataque selvagem ou uma maldição ou xingamento quando o capanga for derrotado. Você dificilmente vai ter o mesmo impacto que o “traidor” de O Despertar da Força, mas só chegar perto disso já será uma grande vitória.

 

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