Por Fábio Medeiros
Você já se deparou com alguma informação sendo apresentada de maneira séria, mas que beira ao absurdo?
As teorias da conspiração estão invadindo as nossas redes sociais e causando muito ruído, fortalecidas por uma cultura obscurantista e negacionista. Contatos com seres extraterrenos, visitas de alienígenas, ou mesmo alegações que Elvis ainda está vivo se misturam a grupos antivacina, alguns até acreditam que as vacinas instalam microchips em nossos corpos. A negação do holocausto, ou das questões ambientais, e a ameaça da ordem e dos bons costumes por uma Nova Ordem Mundial, por meio de grupos secretos como os Illuminati ou mesmo os mestres reptilianos.
São tantas informações que precisam ser filtradas que fica difícil identificar se há alguma realidade por trás disso tudo. Mas você pode tirar proveito dessas estratagemas elaboradas de maneira tão detalhada para utilizá-las em suas mesas de RPG. Afinal, os vilões dos nossos jogos precisam de motivações, e nada mais adequado do que um monte de desinformações para transformar pessoas bem intencionadas em oponentes valiosos para um grupo de heróis.
Na Base
Um grupo de pessoas que acredita num ataque iminente às estruturas basais da nossa sociedade pode considerar adequado agir preventivamente, eliminando o risco antes mesmo que ocorra qualquer ataque. Ações como essas podem estar presentes em qualquer ambiente, tempo ou região. Para cada cenário esta lógica pode trazer boas motivações para um vilão ou grupo de vilões e criar boas razões para o conflito. O reino medieval onde o grupo de heróis vive, ou por onde está passando, pode ter o seu governante convicto que existe uma resistência contra as suas ações, representada por uma igreja, ou por uma organização de artesãos – ou até mesmo pela chegada de um grupo de heróis estranhos. Numa sociedade mais contemporânea o problema pode ser o ataque de grandes corporações a um modo de vida que os ameaça. Seja uma visão em que um grupo é mais dominante, ou que as forças sejam mais equiparadas, sempre é possível incluir a dose de paranoia suficiente para justificar as ações de um (ou ambos) os grupos.
Porém, um cenário em que a ideia paranóica ganha mais força, e é mais propício para colocar em uso todas essas teorias da conspiração, é o Retropunk RPG. O mundo a partir da ética e estética cyberpunk pressupõe uma indisposição dos protagonistas da história com o padrão estabelecido pelos dominantes. A tecnologia avançou em muitos pontos, mas está acessível a poucos, e gerou uma desigualdade gigantesca. Os personagens estão se erguendo contra isso, de início não para ameaçar os poderosos, talvez seja apenas para conseguir um pouco de conforto, ou mesmo a sobrevivência. Então as teorias conspiracionistas aqui são realidades, precisamos lidar com a corrupção não para combatê-la, mas como forma dos próprios personagens conseguirem existir. Romper com o sistema pode tornar a vida bem mais difícil, provocando o olhar interessado sobre os personagens, que representam os defeitos intrínsecos ao sistema.
Paranoia
A partir do momento que os personagens dos jogadores começam a ser vistos como tal, um ar de paranoia é instalado, em que se torna difícil confiar em qualquer pessoa, em que não há descanso, não há momento para relaxar. Cada pessoa que entra em contato pode ser um inimigo. As teorias de conspiração acabam por invadir todos os pensamentos, e a dificuldade de tomada de decisões passa a ocorrer pelo medo das incertezas. O risco está em todo o lugar, e jogadores podem brincar com isso nas narrativas criadas em Retropunk RPG, tornando reais os medos que hoje nós acompanhamos com curiosidade e descrença.
É legal pensar que em Retropunk RPG nós estamos criando um cenário de jogo em que essas teorias de conspiração podem ser reais, num ambiente opressor e impactante para os personagens dos jogadores; mas isso não deve ser reproduzido pelo Juiz sobre os jogadores. Os pressupostos do jogo determinam que as relações entre os jogadores (Juiz incluso) seja pautada num ambiente colaborativo, em que as contribuições de todos são válidas. As conversas entre todos devem ser de igual para igual, e o cerne da atenção é a agência do jogador, a maior autoridade do jogo é o poder de tomada de decisão e mudança da narrativa dos jogadores, a partir de suas decisões sobre o jogo. O Juiz irá agir como árbitro numa situação de discordância, e não como autoridade suprema. E mesmo assim suas decisões devem ser tomadas em prol do espírito do jogo, sua participação e interesse devem ser tão intensas quanto o envolvimento dos jogadores.
De volta à realidade
Percebe-se então o contraste entre a cena que queremos criar durante a narrativa e o real ambiente de jogo. Enquanto os personagens passam por situações terríveis, em que não sabem em quem confiar, e precisam desafiar as autoridades o tempo todo pela sua própria existência, os jogadores são parceiros na criação da história, e o Juiz é um fã dos jogadores e de seus personagens, dando suporte e segurança para que eles possam mergulhar no jogo com a garantia de poder retornar a superfície e encontrar rostos amigáveis.

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