Por Fábio Medeiros

“Revolução não é destruir algo, é fazer surgir alguma coisa nova.” – Joseph Campbell

Nos jogos de RPG, é necessário que existam conflitos para que a história progrida e os protagonistas possam brilhar com suas decisões e ações. Nada melhor para isso que uma revolução, abalando as estruturas da sociedade e colocando os personagens no meio de situações que exigirão respostas rápidas.

Ao se deparar com caminhos inexplorados e perigosos, os jogadores alimentam a trama com mais momentos de risco, levando o jogo para sequências eletrizantes que evoluem de maneira dinâmica, fornecendo ao narrador sugestões valiosas sobre interesses dos personagens de jogadores e possibilidades para o enredo.

Nestes casos em que conflitos são apresentados de maneira a permitir a escolha dos jogadores, a improvisação acaba sendo inevitável. Os caminhos definidos são diversos e inesperados. Porém, ao falar sobre improvisação, não estou dizendo que o preparo das sessões de jogo é desnecessário. Muito pelo contrário, é com muito preparo que nessa hora o narrador pode apresentar desfechos mais interessantes e próximos dos seus objetivos para o enredo.

O RPG se torna realmente uma construção narrativa poderosa quando as decisões dos jogadores deixam de ser apenas entra “A” ou “B”, e eles tem escolhas livres. A descrição do narrador deve servir para que os jogadores entendam bem o cenário, de forma a poderem tomar decisões embasadas no que viram ou perceberam, e não para dar alternativas escolhidas previamente no roteiro.

“Nossas vidas começam a acabar quando nos calamos para as coisas que realmente importam.” – Martin Luther King

Para oferecer conflitos que movimentem e exijam ação, nada melhor que conhecer os personagens de seus jogadores. Saiba o que eles amam e odeiam e como criar gatilhos para que eles se sintam compelidos a agir. Isto pode ser uma criança em perigo, uma oportunidade de dinheiro ao escolher um dos lados ou se deparar com a humilhação de um escravo. Esta é a maneira pela qual os primeiros contatos com o motivo para a revolução são delineados.

A partir daí, a revolução já pode ser apresentada para os personagens; eles foram fisgados. Para que se configure uma revolução propriamente dita, é necessário uma busca pela alteração das instituições sócio-políticas do regime de poder atual. A ação do grupo rebelde será sempre em favor dessa mudança radical na sociedade, visando estabelecer uma nova ordem instituída pelas forças vencedoras.

“A mais poderosa arma na terra é uma alma em chamas.” – Marshal Ferdinand Foch

A proposta deve sempre contar com a revolução como uma esperança, como o desfecho caso o grupo divergente seja bem sucedido. Caso a percepção sobre a mudança da organização da sociedade, esteja clara para os jogadores, e o gancho tenha sido vinculado aos interesses dos personagens, quando o narrador promover espaços para conflitos e ações, os jogadores entenderão como oportunidades para os personagens agirem conforme seus próprios interesses.

Para pensarmos na revolução como uma trama bem definida para a campanha de RPG, trago uma classificação proposta por Charles Tilly, separando a ideia de revolução em quatro categorias: Golpe, Guerra Civil, Revolta e Grande Revolução. Cada uma delas será explicada, ilustrada com um exemplo de outra mídia e imaginada num cenário de Savage Worlds.

Golpe ou Golpe de Estado

“Que sorte para os governos que as pessoas por eles administradas não pensem.” – Adolf Hitler

Golpe ou Golpe de Estado é a derrubada de um governo existente por meios não democráticos; tipicamente é uma medida ilegal, inconstitucional de tomada de poder por um ditador, militares, ou uma facção política.
Operação Valkíria – Neste filme oficiais alemães com uma crise de consciência tentam dar um golpe para matar Hitler e derrubar o governo nazista.

A trama de Operação Valkíria é uma excelente ideia de mini-campanha para o cenário de Weird Wars II. Você pode propor para que alguns jogadores sejam nazistas arrependidos e outros sejam Aliados que estão em território inimigo, presos ou em disfarce. Desta forma eles poderão ter oportunidades para acabar com a guerra ao eliminar o grande líder nazista ou mesmo causar outros danos irreparáveis a estrutura de comando do exército alemão.

Ocupações militares sugeridas para essa missão são Oficiais e Engenheiros. Além destas, Civis poderão ter uma oportunidade de participação caso tenham motivos para estarem no local certo, um Cientista pode estar próximo o bastante para perceber os atos vis ocorrendo a sua volta ou um Guerreiro da Resistência infiltrado pode estar se preparando para o momento da revelação.

Guerra Civil

“Quando você mata um Rei, você não o apunhala num canto escuro, você deve atacá-lo de maneira que todos em praça pública possam vê-lo morrer.” – Amsterdan Vallon

Guerra Civil é uma guerra entre grupos organizados dentro do mesmo estado ou país. É um conflito de grande intensidade, frequentemente envolvendo forças armadas sustentadas e organizadas em grande escala.
Gangues de Nova York – é um filme que ocorre durante a guerra civil americana. Neste cenário imigrantes irlandeses católicos enfrentam os protestantes nativos buscando controle da baixa Manhattan. A cidade é caótica e violenta, com vários grupos buscando organizar suas forças e sobreviver.

A principal proposta para o cenário de Gangues de Nova York é apresentar uma cidade em tumulto, e os grupos que ali vivem sobrevivendo, ou seja, a Guerra Civil é apenas um pano de fundo para justificar tudo o que está ocorrendo.

Utilizando o cenário Deadlands: Oeste Estranho, e atrasando o tempo em cerca de dez anos – para 1868 – é possível aproveitar as vantagens, complicações e poderes descritos além de boa parte da ambientação. Esta primeira mini-campanha pode servir até mesmo como uma apresentação para o cenário, um prelúdio para personagens que após o desfecho da luta em Nova York precisam fugir e decidem ir para o oeste, imaginando (inocentemente) que se veriam longe de problemas.

Revolta

“Quando a ditadura é um fato, a revolução se torna um direito.” – Victor Hugo

Uma Revolta ocorre quando um pequeno grupo de pessoas decide não acatar mais as decisões dos líderes na sociedade, vivendo de maneira marginal ao contestar o poder estabelecido. Eles podem buscar tanto derrubar o atual poder, ou apenas encontrar um espaço para se manter fora das suas amarras. De qualquer maneira, o confronto estará presente enquanto os grupos revoltosos não são contidos ou conquistam uma forma de viver independentes.

O Conto da Aia é uma série que conta sobre um futuro distópico em que a região antes conhecida como os Estados Unidos sofrera um ataque terrorista que culminou com o presidente e boa parte do congresso assassinados, incitando a tomada de poder de um grupo fundamentalista cristão, renomeando a região como Gileade. Várias pessoas vivem em situação de escravidão, servitude. E existe um grupo de revoltosos chamados de Mayday, que busca se afastar da vida degradante que os foi reservada.

O Compêndio de Ficção Científica pode ser aproveitado para trazer um mundo distópico em que uma tirania como a de Gileade foi instalada e os jogadores interpretam personagens que estão no lado mais fraco da sociedade. As vantagens, complicações e poderes mais voltados para alta tecnologia devem ser evitadas, já que o principal a ser explorado são as dificuldades de conseguir conviver e executar ações simples. As melhores peças tecnológicas, como equipamentos de controle mental e armas potentes estão na mão dos opressores, e primeiro precisam ser roubadas para poderem ser utilizadas pelos personagens dos jogadores. Talvez o um membro do grupo Mayday possa surgir ou ser contactado para que os personagens dos jogadores recolham alguma informação ou equipamento que possa significar uma esperança de fuga.

A Grande Revolução


“Todos os dias você tem que lutar para que o amor pela humanidade seja transformado em feitos concretos, em atos que sirvam como exemplo, que mobilizem.” – Che Guevara


As Grandes Revoluções são revoluções que se tornam bem sucedidas, derrubando as estruturas sociais, políticas e econômicas. Nesta situação o poder é movimentado entre os grupos conflitantes, migrando o controle para os revolucionários.


X-Men é um grupo de mutantes que sofre perseguição do governo e preconceito. Eles são caçados, presos em laboratórios e estudados. Procuram agir para se apresentar como seres humanos de valor, ajudando a sociedade com suas habilidades. A intenção deles é criar um espaço em que possam ter sua autonomia e liberdade, enquanto desempenham um papel de crítico, de decisão sobre políticas que dizem respeito ao seu direito a vida. Acredito que é excesso de zelo dizer, mas eles surgiram inicialmente na década de 1960 em histórias em quadrinhos e já passaram por todas as mídias imagináveis: filmes, séries, livros, desenhos animados.


O Compêndio de Superpoderes é o ideal nesse cenário, e poderá ajudar a criar os poderes, vantagens e complicações ideais para um grupo de mutantes. As aventuras devem ser sempre focadas em lutas políticas intensas e ao mesmo tempo lidar com questões como preconceitos e relações de amizade entre personagens de jogadores e até mesmo com personagens de não-jogadores. Os quadrinhos dos X-Men são povoados de exemplos de personagens que em determinado momento são oponentes e em outros tornam-se aliados para resolução de um conflito emergente. Quanto mais contato pessoal e humano com os antagonistas, mais difícil será a decisão de resolver as coisas com força bruta.


“Em tempos de fraudes universais, dizer a verdade é um ato revolucionário.” – George Orwell