Por Gustavo Tenório

Como adotar o horror cósmico de Lovecraft para mesas de Savage Worlds

Pode parecer uma grande contradição tentar adaptar o horror cósmico de H.P.Lovecraft para o sistema Rápido! Furioso! e Divertido! de Savage Worlds. O clima mais heróico, com personagens quase infalíveis e inimigos que beiram ao cartunesco, serve muito bem à campanhas dinâmicas, repletas de ação e reviravoltas dignas dos bons filmes exibidos durante as tardes dos canais abertos. Mas, com algumas sugestões que iremos apresentar logo abaixo, será possível ajustar o foco para imprimir um tom mais pessimista e assustador, perfeito para quem quer inserir os Mythos de Cthulhu em suas aventuras.

Mestres interessados em utilizar o horror cósmico devem ler as principais publicações de H.P.Lovecraft. Contos como o Chamado de Cthulhu, Dagon, Nas Montanhas da Loucura, A Sombra de Innsmouth, O Horror de Dunwich, A Cor que Caiu do Espaço e O Modelo de Pickman são essenciais para servir de base na “incorporação” do clima adequado das aventuras. Naturalmente, um bom ponto de partida também é conhecer Rastro de Cthulhu, premiado rpg (publicado no Brasil pela RetroPunk) que faz a transposição dos livros clássicos para as mesas de jogo.

*Pulp ou Purista?*

Rastro de Cthulhu utiliza dois estilos de jogo, com efeitos diferentes para os personagens: Pulp e Purista. No modo Pulp, os elementos de horror cósmico podem ser enfrentados pelos investigadores, com razoável chance de sucesso. Membros de cultos são derrotados, monstros são destruídos e portais para outras dimensões são fechados, com pouco risco de morte e apenas alguns danos à sanidade.

No modo Purista, o desafio é muito maior e os personagens sabem que o fim é inevitável. Suas ações apenas servirão para atrasar os desígnios de deuses ancestrais que tomarão a Terra de assalto, promovendo morte e destruição. E justamente essas aventuras são as mais marcantes de Rastro de Cthulhu. Quem sobrevive a esses confrontos ganha uma passagem sem retorno para o hospício mais próximo.

Savage Worlds conta com uma lista considerável de publicações no Brasil, mas nem todos os títulos devem ser aproveitados. Além do livro básico, o Compêndio de Horror será muito utilizado na criação dos investigadores e no auxílio do Mestre na condução das aventuras. Weird Wars II, Accursed e Terra Devastada e Selvagem são três cenários que poderão servir para ambientar as missões dos personagens.

Caso o Mestre pretenda fazer aventuras num futuro distópico da Terra (semelhante ao presente na série Alien) o Compêndio de Ficção Científica será um bom aliado. Deadlands e Lankhmar, com algumas modificações, podem adotar o tom necessário para receber os Mythos de Cthulhu. Não são recomendados os Compêndios de Superpoderes e Fantasia, justamente por fugirem do clima adequado.

Dicas para os Mestres

Durante o planejamento da aventura de horror cósmico é indicado ao Mestre restringir o uso de Vantagens e Complicações que tenham traços super-heroicos, arcanos, ou que possam favorecer os personagens. Os Mythos de Cthulhu são muito poderosos e letais e os investigadores não podem achar que lutar com toda a criatura sobrenatural que surgir é a escolha mais adequada.

Para mostrar que o estilo Purista é realmente exigente, uma boa sugestão para os Mestres é adotar uma regra radical: cortar o uso de benes para absorver dano em combate. Com isso, os personagens vão assumir menos riscos e apenas entram em combate quando for um caso de vida ou morte. Não é necessário adotar essa mesma regra para o estilo Pulp, embora a redução de benes disponíveis para os heróis seja oportuna.

Sanidade é um ponto importante nas aventuras de horror cósmico. O contato com a verdade absoluta do Universo mexe com a psiquê dos personagens, fazendo com que eles percam o contato com a realidade. Durante a criação dos investigadores os pontos de sanidade serão o valor equivalente do atributo Espírito, multiplicado por 2.

Em partidas de estilo Pulp, a cada encontro sobrenatural, os investigadores devem fazer um teste de Sanidade (com tabela presente no Compêndio de Horror) para verificar o quanto ficaram abalados. Quando o estilo adotado for o Purista, vale aumentar a dificuldade. Quando confrontados com o sobrenatural, os personagens devem fazer um teste de Espírito. Se o resultado dos dados for menor que a metade do atributo, o investigador deve escolher uma desvantagem menor que represente a tensão do momento (pode ser uma fobia, por exemplo).

Escolha seus inimigos

Por conta da letalidade dos dois estilos, os Mestres devem escolher com cuidado os adversários dos personagens. Uma linha fina é necessária para garantir a diversão de quem curte um bom combate e a manutenção do clima de investigação e horror. Nas partidas Pulp, os membros de cultos podem ser incluídos em grande quantidade e devem ser abatidos sem muita adversidade, cabendo ao líder do grupo, ou a um ser intermediário sobrenatural, o posto de Carta Selvagem. De forma alguma os Grandes Antigos devem ser confrontados. A mera visão de uma criatura como Cthulhu, Yog-Sothoth, Azathoth, Hastur, entre outros, causa insanidade instantânea (isso se não resultar em morte de todos os presentes).

Nas partidas Puristas, menos é mais. Os Mestres deverão adotar uma linha mais contida, apresentando as ameaças aos poucos. O objetivo não é lutar contra um inimigo e sim impedir que ele consiga ter sucesso. Sem o uso de benes para repor danos de combate e com o risco da perda de sanidade causar danos permanentes aos heróis, cada personagem se torna muito frágil. Decisões em equipe e uma postura criativa serão parte do sucesso das missões e podem garantir que os Mythos de Cthulhu não invadam a Terra. Pelo menos, não por enquanto.