Por Daniel Tschiedel
Aquele Corpo que Habitava o Céu
Por Tchelo Andrade
Se você é um homem solitário morando em uma cidade do interior e não se interessa por fofocas, sua vida pode estar destinada ao tédio. O mundo está em guerra pela segunda vez e as pessoas da vila em que moro só se interessam em saber se a vizinha dorme com alguém além de seu próprio marido. O boteco da cidade não me convence, por mais que o álcool tenha sido muito útil nesses últimos meses; na ausência de elementos que poderia dar uma vida decente a um cidadão comum, sobraria os jogos – entretanto, fora a minha recente experiência com jogos de azar e uma dívida exorbitante que me fizeram fugir da capital para me esconder nesse fim de mundo.
Agarrado ao tédio, só me restava dia após dia encontrar uma forma diferente de passatempo. Quando as atividades mundanas já não me eram atrativas, minha visão recorreu ao céu e em uma noite estrelada minha visão ordinária se alterou para sempre.
Foi então que eu a vi.
E ela se entregou para mim.
Sinuosa no céu, com contornos singulares, uma pureza e uma doçura visual ímpar, aquele corpo que habitava o céu ansiava se entregar para mim. Eu tinha certeza.
Era uma estrela como nenhuma outra.
Durante o dia, passei a tomar notas e aprender mais sobre astronomia – é comum nós galanteadores aprendermos mais sobre a dama que pretendemos cortejar. – Enquanto a noite não chegava, os livros me faziam companhia, eu queria saber qual era o nome daquela estrela. Contudo, os livros que encontrei na biblioteca local, tinham baixo rigor acadêmico e sobre aquele corpo celeste nada constavam. Então, tomei para mim a responsabilidade de lhe dar um nome.
Como eu deveria chamá-la?
De Amada, obviamente. Minha Amada.
Da janela do meu quarto, eu me felicitava com o prazer de admirar os contornos cintilantes e incandescentes de minha amada no céu. Para mim, quanto mais eu me entregava a ela, mais ela se tornara vibrante – e tal fato era o bastante para entender que meu amor era correspondido. E no enlace dessa paixão cósmica, os dias se tornarão cada vez menos importantes para mim, uma vez que me acostumei a dormir durante todo o tempo que não houvessem estrelas no céu. Graças a isso, minha visão se elevou e eu passei a ver ainda mais detalhes daquela volúpia. Incluindo, descobrir seu segredo: aquele corpo que habitava o céu, estava cada vez mais próximo.
Tomando por um êxtase que combinava ansiedade e prazer, eu comemorei no meu quarto abafado. Minha amada estava vindo até mim. Nem mesmo as barreiras dos anos luz, poderiam impedir a ascensão de nosso amor.
Assim, buscando um espaço mais amplo, tomei uma decisão. Iria para o telhado! Lá nenhum poste desgraçado atrapalharia a profundidade de campo. Comecei a me mover pela janela, agarrei a grande e os canos. Lá em cima, fui cuidadoso – se a proprietária da vila soubesse de minha pequena aventura, ela certamente me advertiria e eu estarei nas rodas de fofocas, mencionado como tarado ou ladrão. – Para um fugitivo, a discrição é importante, mesmo assim, ousei e alcancei o ponto mais alto da casa em silêncio.
Não sei você, mas eu sou do tipo que sempre guarda o melhor para o final e muitas vezes eu evito tomar algo bom para mim, apenas com medo desse algo acabar de forma súbita. Foi assim que me encontrei no alto daquele sobrado. De onde estava, parecia que eu podia tocar a minha estrela favorita, mas por um bocado de segundos eu hesitei, não queria que aquele momento de perscrutação chegasse ao fim. Até que ele chegou. Estiquei minha mão esquerda, já que o braço direito ainda doía bastante – efeito colateral da surra que levei para pagar meus débitos, quando ainda morava na capital.
Quando minha mão alcançou a plenitude do céu noturno, meu passado não importava mais, pois foi como se o tempo tivesse parado… afinal, eu podia sentir a maciez de vênus.
Eu podia tocar a estrela. Literalmente.
E não apenas ela.
Eu podia tocar o céu também.
E todo meu delírio se transformara em desespero. Dei-me conta que o céu, era feito de uma espécie de vidro e que a minha Amada, aquele corpo que habitava o céu, na verdade não era uma estrela, era uma lâmpada. Inferno! O que diabos estava acontecendo? Tomado por uma raiva, eu bati com toda minha força contra o vidro e uma rachadura se formou. Forcei ainda mais e um buraco surgiu, um vão por onde um homem adulto e magro como eu passaria facilmente.
Cuidadosamente espiei pela abertura, havia muita luz no ambiente acima. Eu realmente rompera o céu? Estava curioso para saber o que encontraria além dali, mas antes de o fazê-lo, me contive, retornei ao meu aposento fétido e escrevi essas notas rápidas. Escrevo, pois temo que meu retorno não seja definitivo e se você não tomar conhecimento do meu paradeiro, faça de mim um exemplo e sempre, sempre pague os seus débitos.
Nunca se sabe para quais deuses rezam seus credores.
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