Por Mikka Capella

Salve, salve, selvagens! Tudo certinho?

Vamos partir da premissa que sim, não é mesmo? Se a gente está vivo, amanhã pode ser diferente… e, quem sabe, com superpoderes!

Já pensou? Mais um dia chato, você no escritório amargando um tédio danado, resolve tomar um cafezinho e, pimba! Deixou cair a caneca preferida do chefe! Qual não é a sua surpresa ao ver que, não mais que de repente, ao invés de se espatifar em mil pedaços, ela fica ali parada no ar, ao alcance das suas mãos.

Essa é mais ou menos a premissa de uma série que estreou no Netflix já faz um tempinho – mas eu sou lerdo e só estou te contando agora: Criando Dion.

Se você é do tipo que curtiria uma série de supers bem fora da caixinha, com um protagonista pimpolho (e muitas vezes pé no saco, é preciso dizer!), temperada com alguma comédia, ação e mistério, não perca mais tempo! Corre lá na nossa amiga vermelhinha e comece a assistir hoje mesmo. Porém, esteja ciente: no próximo parágrafo eu vou abrir a porteira e soltar uma boiada de spoilers… Então, se você não lida bem com isso, pare a leitura por aqui e volte mais tarde.

Depois não quero hate em cima de mim, heim!

DE REPENTE, SUPER!

A coisa toda começa assim, do nada mesmo. Nicole Reese é uma jovem e linda mulher que amava muito seu marido quando, de repente, toma uma rasteira da vida: fica viúva e tem que se virar nos 30 pra dar conta de criar sozinha o filho dos dois, Dion – o protagonista. Ela está lá, fazendo mil e um malabarismos pra lidar com todos os problemas quando seu garoto, simplesmente, em rompantes emocionais típicos de crianças, começa a fazer as coisas voarem pela casa.

Até aí parece coisa dos X-Men, não é mesmo? Esse moleque só pode ser mutante!

A questão é que no mundo de Dion não existe esse tipo de coisa. Não existem super-heróis, mutantes, etc. Pessoas não têm superpoderes. O mundo da série é exatamente como o nosso. Dion é uma anomalia.

Sem saber o que fazer, Nicole procura a ajuda de sua irmã Kat, uma médica em ascensão de carreira que é, aparentemente, a única pessoa que ela tem na vida. Quer dizer, tem também o Pat Rollins, um chato de galocha, que era amigo de trabalho do falecido marido de Nicole e deixa claro, desde o primeiro momento, que quer mais do que amizade da mãe de Dion. Mas ele não conta. Ela claramente não quer nada com ele e o cara é do tipo que não trabalha bem com rejeição e fica ali, de butuca, esperando um momento de fragilidade para dar o bote. No começo, ele até parece legal, mas depois se revela um grandessíssimo babaca!

Voltando à Kat, a irmã da Nicole, que é uma médica… Não preciso dizer mais nada, né? Ela acha que a irmã está pirada, cheirando alguma parada muito loka e querendo chamar atenção.

O protagonista do show, oficialmente, é o Dion (eu já falei que o moleque é chato para um caráleo?), mas é Nicole quem precisa, novamente sozinha, encontrar uma maneira de lidar com a situação e proteger o filho; porque, como se já não fosse o bastante, ela acaba descobrindo que a história da morte do marido está muito mal contada e aparece um monstro, uma criatura feita de tempestade – o Homem Torto – atrás de Dion e de outras pessoas como ele (sim, elas existem).

No fim, se vocês me permitirem uma singela opinião, eu achei genial essa brincadeira que a série faz. Dion é quem tem superpoderes, mas a verdadeira heroína é sua mãe.

O SEGREDO – MUTAÇÃO OU CHUVA CÓSMICA?

Se ainda não estava bom de spoiler pra você, se segura no touro que agora a parada vai ficar séria – é chuva cósmica! (e o subtítulo não era uma piada!)

O que está por trás dos poderes de Dion é nada mais, nada menos que a genética de seu pai. Mark (esse era o nome do cara) era um engenheiro brilhante que trabalhava para uma empresa de biotecnologia chamada BIONA. Foi numa viagem de trabalho, alguns anos antes de Dion nascer, que ele – bem como algumas outras pessoas – acabou exposto à uma estranha radiação enquanto monitorava o fenômeno da aurora boreal na Islândia.

Aparentemente, a radiação alienígena modificou o DNA de Mark – e de algumas outras pessoas também. Os que foram expostos ao estranho – e inexplicável – evento acabaram desenvolvendo misteriosos poderes (bem naquela pegada de “de repente, super”). Mark guardou segredo do que estava vivendo e começou a investigar, tentando entender o que estava acontecendo com ele, quando foi surpreendido por um ataque do Homem Torto.

Dion, o filho do casal, foi concebido depois que Mark voltou da Islândia, então o menino já nasceu com o DNA alterado. Putz… Acabei de perceber que, então, ele é sim um mutante!!! *mind blow*

E O TAL DO RPG?

Eu imagino que agora você esteja dizendo para si mesmo: “tá, essa série parece bem da hora, vale uma pipoca… mas o que diabos tem a ver com a minha mesa de RPG?”

E eu vou te dizer que ter a ver diretamente com RPG do jeito que Stranger Things, por exemplo, tem, Criando Dion não tem nada. Entretanto, a premissa da série é muito boa. Ela me deu várias ideias para ganchos que, como eu disse lá em cima, saem da caixa ao lidar com o tema “superpoderes”.

Quando a gente pensa num jogo de supers, geralmente o que aparece na nossa cabeça são aquelas figuras heroicas, que se expõem a grandes perigos para salvar o dia. A gente pensa em grandes supervilões, maus como pica-paus, que ameaçam a paz e a harmonia do mundo. Dificilmente a gente pensa nos “heróis” como pessoas comuns, levando vidas comuns, transformadas da noite para o dia por algo que, a princípio, nem parecia nada demais (Homem-Aranha feelings?). Dificilmente a gente pensa em superpoderes como um indesejável vetor de problemas.

É isso o que eu acho que Criando Dion traz de diferente. Trata-se de um gancho narrativo em que o superpoder não é o que define os heróis e também não é a solução. É o causador do problema. E o melhor de tudo é que, valendo-se apenas da premissa, do núcleo temático central, você pode contar muitas histórias diferentes.

A série, por exemplo, tem uma pegada sci-fi. Seu grupo de heróis pode, como no show, ter sido exposto a algum tipo de radiação alienígena quando estava vendo a aurora boreal na Islândia. Eles também podiam estar assistindo um filme pornô num drive-in no Deserto do Atacama. Whatever. Mas você pode querer dar ao seu lance uma pegada mais sobrenatural, não pode? Pode! Neste caso, seu grupo foi exposto a uma influência nefasta enquanto participava de uma escavação arqueológica. Talvez, ainda, tenha sido um acidente no museu, durante o primeiro dia de exposição de uma nova peça, vinda do Oriente Médio.

São muitas as possibilidades, como também são muitas as possibilidades de tom. Criando Dion foi baseada numa HQ, publicada no Brasil com o mesmo nome da série, de Dennis Liu. Trata-se de uma abordagem diferente do universo dos super-heróis. Então, mesmo partindo de uma premissa pouco vista, seu tom ainda é aventuresco, equilibrando drama e comédia. Nada impede, porém, que você queira dar um tom mais sombrio, denso e carregado. Você pode transformar a sua narrativa num suspense. Por que não num horror? Sem dúvida uma história de horror com supers não é algo que se vê todo dia!

Em todos os casos, o segredo é fazer com que os seus PJs sejam verdadeiros zés-da-couve; pessoas aleatórias, absolutamente comuns e desconhecidas umas das outras. Em determinada ocasião, eles estarão no lugar errado e na hora errada – por algum motivo como uma viagem de férias para ver as cataratas do Niágara – então serão expostos ao que podemos chamar de Evento X.

O Evento X pode ser uma chuva de meteoros, uma tempestade meio estranha, um festival de luzes no céu, um ídolo antigo, etc. O fato é que, tempos depois, as coisas começarão a acontecer, os superpoderes aparecerão, e junto com eles os problemas.

CONCLUSÃO

Existem todas as implicações de ser uma pessoa com superpoderes no mundo real e a necessidade, inevitável, de tentar entender o que aconteceu; em que ponto e porque as coisas mudaram. Os PJs precisarão descobrir e encontrar uns aos outros, ao mesmo tempo em que terão de lidar com suas vidas e com alguma instituição interessada neles por motivos escusos. Uma empresa de biotecnologia? Quem sabe uma seita ou organização secreta?

Tudo ficará ainda mais interessante se a maior ameaça, o verdadeiro vilão, for alguma coisa difícil de compreender, surgida no mesmo dia e ao mesmo tempo em que nossos heróis ganharam seus poderes; alguma coisa que parece caçá-los, desejá-los, consumi-los! Mas este, meus nobres amigos, é o tema do nosso próximo artigo.

Fiquem atentos. Abraços e até lá!