Savage Worlds na Visão de um Novato no Sistema
Por Dan Ramos
Olá! Me chamo Dan Ramos e sou artista digital e ilustrador. Porém, também sou jogador de RPG. Quem me conhece sabe que sempre fui um grande insatisfeito, sempre procurando um sistema de regras ideal para cada tipo de história que quero criar. Depois de enjoar completamente com o RPG mais famoso do mundo em sua terceira/quarta edição, me juntei com amigos e criamos nosso próprio simulador de hack n’slash com d20s e classes de personagem, e até hoje eu pego o livrinho sempre que quero mestrar uma história de explorar masmorras sem muito compromisso.
Porém, com os anos eu e meu pequeno grupo de jogadores (basicamente, minha esposa e meu irmão) temos um estilo de jogo específico para nossas campanhas principais, com um quê mais dramático e cinematográfico, que sempre motivou essa minha procura incessante. Foi daí que, depois de muitos testes e frustrações, chegamos ao Savage Worlds.
Eu conheço o Savage Worlds há muito tempo, na verdade — desde antes de chegar ao Brasil. Mas o fandom sempre me passou uma ideia muito exagerada do jogo (lá na primeira edição) e eu achava rápido e aleatório demais para o meu gosto. Aí a Retropunk trouxe para o português, as pessoas começaram a jogar, recomendar (inclusive no meu blog, nos posts onde eu choramingava porque queria um sistema ao mesmo tempo simples, elegante, modular e dramático) e tudo mais… mas meu preconceito com habilidades expressas em dados ao invés de números, uso de d6 (besteira, eu sei) e sistemas meio diferentes de contagem de dano sempre me afastavam. E vale dizer que, apesar de alegar ser um sistema genérico, todo esse oba-oba de ser um jogo nervoso e alucinante, na minha cabeça não o tornava tão genérico assim.
Mas as pessoas sempre diziam: jogue, e vai ter uma impressão diferente. Só dá pra ver com a coisa funcionando.
Recentemente, depois de mudar de estado comecei um jogo via internet com meu grupo, bastante focado naqueles fatores que mencionei antes, uma fantasia medieval mais literária, mais autoral. Eu precisava de um sistema de regras que fosse fácil de aprender, tivesse em português e eu não tivesse que ficar criando coisas. Dei uma olhada em um quickstart publicado pela Retropunk… Ok, vamos lá. Comprei o livro e comecei a ler.
Que beleza de surpresa!
Savage Worlds é tudo que o fandom diz que é, mas é muito mais que isso. É um conjunto de regras coeso, com conceitos simples e fáceis de entender. Vem comigo que eu vou contar as impressões que tive ao ir conhecendo o sistema.
Na primeira leitura, o funcionamento das mecânicas já te dão uma ideia de que seu jogo vai ser bastante cinematográfico, ou literário. Uma das máximas mais importantes de Savage Worlds, se não a maior, é separar personagens importantes (protagonistas, coadjuvantes e antagonistas, aqui chamados Cartas Selvagens) dos figurantes sem nome que povoam as nossas histórias (aqui, chamados de Extras). Os Cartas Selvagens, além de aguentarem mais porradas em combate, recebem uma boa vantagem nas jogadas de dados. Parece pouco, mas isso faz uma diferença danada no decorrer do jogo — e é tão simples de transformar um Extra em Carta Selvagem que você pode pegar qualquer ficha e “promover” a personagem importante quando quiser.
Habilidades como dados, um dos meus preconceitos, acaba sendo algo que facilita bastante as rolagens, sem muitos cálculos a fazer antes de fazer um teste. A criação de personagem é tranquilíssima porque facilita a compra de características com pontos seccionando tudo (ao invés de ter uma quantidade X de pontos pra tudo, você distribui uma quantidade menor para atributos, depois outra para perícias, etc). Talvez você nunca tenha pensado nisso, mas faz uma diferença danada. E aqui, para comprar Vantagens, geralmente você precisa escolher Complicações (características e defeitos que vão te causar problemas no jogo). Ou seja, a não ser que seja humano (que ganha uma Vantagem grátis), você vai ter que dar alguma profundidade à sua personagem se quiser mais umas Vantagens legais. O resto é características derivadas — e se você estiver com preguiça ou perdido, o livro ainda traz um caminhão de arquétipos prontinhos pra você se basear. O livro básico tem ainda um bom capítulo sobre equipamentos, que cobre a maior parte dos gêneros.
Savage Worlds, apesar de conter regras e cobrir situações praticamente no livro todo, concentra o maior crunch mesmo em um único capítulo, e isso é uma verdadeira mão na roda pra achar rapidamente, no calor do momento, aquela regrinha que você precisava — especialmente nas minhas primeiras mestragens. Porque além de localizar bem as mecânicas principais de conflitos e ação, categoriza regras de forma muito sucinta. Pra mim isso é um feito — ter um texto divertido de ler e ao mesmo tempo ser um bom manual. O aprendizado é rápido, as soluções fazem sentido e mesmo lidando com modificadores numéricos, você não se perde. A gente é MUITO esquecido, e mesmo assim consegue sempre levar em conta essas coisas, porque em um jogo de características como dados, modificadores fazem muita diferença.
Uma outra coisa que me surpreendeu é o uso de cartas de baralho muito bem integrado ao jogo. O único outro RPG que eu conhecia que fazia isso era o Castelo Falkenstein (também da Retropunk aqui no Brasil; ótimo jogo, recomendo). Savage Worlds não usa apenas para iniciativa — o ritmo do combate é muito ditado pelo sacar de cartas e uso inteligente delas. Em conjunto com a outra mecânica “gimmick” do sistema, os Benes — aquele já conhecido sistema de pontos para interferir na narrativa, melhorar rolagens, etc. — me fez finalmente entender o que é o tal “nervoso, alucinante” do sistema. A parte de regras fica frenética, te dando tempo pra o que mais interessa, que é a ficção e as emoções da história.
Eu gostaria de deixar aqui uns parágrafos apenas para dano, ferimentos e tudo mais. Esse sempre foi um calcanhar de aquiles pra mim em todo sistema que adotava. A abstração de “Pontos de Vida” foi um dos principais motivos que me fez cansar DAQUELE jogo, e em outros eu sempre encontrava ou algo do tipo, ou abstrato demais, ou pouco funcional em histórias mais dramáticas. Apesar de um pouco complicado de entender (é o que mais gera dúvidas), o esquema em Savage Worlds tem sido, pra mim, ideal até agora. Ao invés da aplicação direta do dano em alguma barra de energia, você vai tentar passar um número-alvo de resistência + armadura do alvo para ver se causou ferimentos. Dependendo do tamanho do seu sucesso (tudo em Savage Worlds depende do seu grau de sucesso, o que achei massa), você causa um ou mais ferimentos. Extras caem com um, Cartas Selvagens aguentam três. Além disso, temos a regra “Abalado”, que é basicamente tudo de abstração que a ficção precisa — seu personagem fica sempre Abalado antes de se ferir, ou seja, ele está com alguns arranhões, atordoado, aturdido, perdido ou qualquer coisa assim (a condição te faz perder ações se você não escapar dela).
Quando seu personagem não aguenta mais ferimentos, fica incapacitado. Pode receber lesões tensas, ficar ferido, sangrar, morrer. O sistema de primeiros socorros consegue ser simples mas bem verossímil, e é surpreendentemente difícil voltar a ficar inteirão depois de incapacitar. Inclusive, dependendo do uso das regras, a coisa se torna deveras dramática, e dá pra passar semanas machucado. O que eu achei maravilhoso, porque ajudou a resolver outro problema das minhas campanhas: agora consigo passar o tempo com mais facilidade, e conectar melhor uma aventura em outra. Mas não se engane: se você quiser uma abordagem mais heroica, mais “blockbuster de ação”, o jogo permite!
Por fim, além de prever regras específicas para cenários específicos e ter excelentes dicas de narração, Savage Worlds ainda tem (na minha opinião), um dos melhores conjuntos de regras de magia/poderes que já vi. Sério, mesmo antes de adotar o jogo, roubei o esquema para outro sistema que a gente jogava. Para usar poderes você precisa de uma Vantagem de antecedente, que vai ditar bem a sua abordagem (se você é um super-herói, cientista louco, feiticeiro, etc). Você vai escolher como cada um dos seus poderes se manifesta, visualmente e em outros efeitos e parâmetros. Por fim, a lista de poderes é surpreendentemente coesa e funcional. Perdi as contas de quantos usos e visuais diferentes dei para algumas magias do jogo.
Vale dizer que Savage Worlds ainda tem suplementos que expandem a coisa toda, como o Compêndio de Fantasia, que comprei para pegar itens mágicos, monstros e regras adicionais (Vantagens extremamente específicas de cenários de fantasia medieval, etc.). Mas sei que tem de supers, horror e outros tantos já publicados aqui.
Claro que desgostei de algumas coisas no sistema, ou estaria aqui mentindo para vocês. Ainda brigo um pouco com o lance das características como dados, porque tenho fricote de ver números absolutos para atributos e perícias (mas meus jogadores pegaram fácil). Mas isso é problema meu. Acho a lista de perícias bem ultrapassada, tanto que mudei para os meus jogos. Porém, soube que a nova edição (que a Retropunk vai trazer para o Brasil, Setembro no Catarse!) corrigiu esses e outros pequenos problemas. Tenho um ou outro problema com as cartas, mas de novo, é coisa minha.
Savage Worlds não é um sistema perfeito (duvido que exista um). Mas é um dos que mais me agradaram, porque aborda muitas coisas de forma mais sucinta e funcional que outros jogos. No fim das contas ele é sim um bom sistema genérico, no sentido de suportar muitos estilos e gêneros de histórias, mas sem perder sua identidade e valores. Dá pra rolar uma fantasia medieval, um jogo de super-heróis, um noir de investigação do Mythos e aventuras espaciais, todos com a densidade e dramaticidade desejada, mas sempre sabendo que as regras estão ali para aparecer pouco e facilitar as coisas, não governar a narrativa.