Por Mateus Buffone

Museus são locais capazes de inspirar ganchos fenomenais para aventuras de RPG! Nas partidas dos nossos jogos de interpretação, podemos usar as histórias dessas instituições, seus edifícios e, obviamente, seus objetos como elementos divertidos que adicionam um “quê” especial às tramas. Costuma causar uma reação de satisfação nos jogadores saber que o artefato central da aventura é um objeto real que eles podem até ver ao vivo dependendo de em qual museu a peça estiver.

Assim, quando eu levantei para a RetroPunk a possibilidade de escrever um texto relacionando o Museu Nacional da UFRJ (que vou chamar de MN daqui pra frente) com RPG, eu já tinha em mente a certeza de que as possibilidades eram múltiplas! Afinal, o MN possui mais de duzentos anos de história e abriga (abrigava?) algumas das coleções mais importantes de peças relacionadas à Arqueologia, Egiptologia, Antropologia, Botânica, História, Entomologia, Geologia, Paleontologia e outras áreas que não consigo me lembrar agora.

Isso por si só já serve para que você comece a ter um vislumbre da riqueza de possibilidades que o MN pode oferecer para as suas aventuras de RPG em sistemas variados. A arquitetura do prédio, por exemplo, nos oferece intrigas com “passagens secretas” reais e fictícias e muitas histórias um tanto “estranhas”, por falta de uma palavra melhor. A trajetória do museu ao longo de seus mais de duzentos anos já viu visitantes ilustres aos montes como Albert Einstein, Madame Curie e Santos Dumont. Isso dá jogo, não dá? E as coleções? Bom, com um acervo de literalmente milhões de itens (ao menos antes do incêndio) naturalmente temos poucos comparativos em outras partes do mundo para extrair histórias, lendas ou mesmo “causos”.

GANCHOS? VEJO GANCHOS EM TODOS OS LUGARES. DESDE O COMEÇO!

Créditos: Ana Luisa

Vamos pensar sobre a frase que está escrita em uma placa no chão, em frente ao MN, para começarmos a pensar nos tais ganchos que eu estou falando? Ela dizia: “todos que por aqui passem protejam esta laje, pois ela guarda um documento que revela a cultura de uma geração e um marco na história de um povo que soube construir o seu próprio futuro”. Além de ser um texto bonito e emocionante de ser lido após o MN ter sido destruído pelo fogo, essa frase nos evoca um ar mágico, não acha? Como você usaria isso em uma mesa sua?

Quer uma sugestão? Você poderia colocar que se trata de um encantamento que obrigaria todos os visitantes a proteger o lugar (ou os objetos?). Acredito que esse feitiço faria com que o incêndio que destruiu boa parte do museu na noite de 2 de Setembro de 2018 tivesse um final diferente daquele que testemunhamos… Já imaginou termos além do público mundano, algumas autoridades obrigadas a protegerem o MN?

Deixa eu insistir mais um pouco nessa placa. Você sabia que ela foi produzida em 1972 para marcar o local de enterramento de uma cápsula do tempo? Cápsula do tempo, sabe? Aquelas coisas que o pessoal enterra para que uma geração futura (ou alienígena!) ache muito tempo depois e conheça um pouco mais sobre aqueles que enterraram a cápsula? Então, temos uma cápsula de tempo em frente ao MN e ela foi enterrada durante a Ditadura Civil-Militar Brasileira (1964-1985) para ser reaberta em 2022. Que tipo de segredos ela pode conter? Em uma trama mais política ou investigativa e “pé-no-chão” ela pode guardar obras de arte, dissertações e teses de pesquisa que a Ditadura não permitiria que fossem publicadas na época. Talvez ali tenha provas de crimes cometido pelos agentes da repreensão e que, se reveladas, vão expor pessoas importantes que não pretendem terem suas reputações destruídas.

Se caminharmos para o lado do sobrenatural, a cápsula pode ser a prisão de alguma força sinistra que assolou o MN até os anos de 1970, quando foi contida e presa. Mas o feitiço que a mantém lacrada perderá as forças em 2022…

A HISTÓRIA DÁ UMA BOA HISTÓRIA!

 Vamos deixar a nossa placa de lado e pensar na própria História do MN. 

Alguns estudiosos apontam a origem do MN por volta de 1784, com a fundação da Casa de História Natural (chamada de Casa dos Pássaros), construída em outro local. Isso nos dá o que? Mais de duzentos anos para explorar! As possibilidades de ganchos se abrem antes da independência do Brasil e passam por todo nosso período imperial, pela nossa história republicana, seus momentos autoritários, e chega até aos dias de hoje para quem quiser usar o MN em aventuras no mundo contemporâneo atual.

Sendo uma instituição secular (literalmente!) a trajetória do MN está recheada de eventos interessantes que podem ser explorados em uma mesa de RPG. Quer incluir uma personagem histórica na sua sessão ou campanha? Várias personalidades famosas passaram pelo MN. Algumas até moraram nele! Precisa incluir algum fato marcante da História do Brasil? Bem… a independência e a primeira constituição do Brasil foram assinadas dentro do prédio que hoje é o MN.

Vamos começar pensando sobre a instituição que deu origem ao MN, a tal Casa de História Natural ou Casa dos Pássaros que ficava no Campo da Lampadosa (atual Praça Tiradentes, no Centro do Rio de Janeiro). As obras para se finalizar a construção foram demoradas e feitas à base da força braçal de indivíduos sentenciados à prisão. O apelido de “Casa dos Pássaros” veio da grande quantidade de aves aquáticas que frequentavam uma lagoa que existia nas proximidades da construção. É importante lembrar que o centro do Rio de Janeiro no final do século XVIII e começo do XIX não era urbanizado e cosmopolita como é hoje. A família real só chegou em 1808 que foi quando começaram os esforços para transformar o Rio de Janeiro na capital imperial. A Casa dos Pássaros era um local onde espécimes brasileiros eram empalhados e colecionados. Em 1813, cinco anos depois da chegada da família real, nosso Príncipe Regente Dom João VI, mandou fechar a instituição. Todo o material da Casa de História Natural (peles de aves, insetos e mamíferos) foram guardados em duas grandes caixas e transferidos. OK, como isso pode inspirar aventuras? Percebeu que a data é perfeita para um jogo de Castelo Falkenstein?

É possível trazer um pouco do “Velho Continente” do universo de Castelo Falkenstein para a nossa Terra Brasilis. E se o fechamento da instituição estiver relacionado com questões envolvendo feéricos? Será que o terreno possuía algum nível de Poder Acumulado que facilitasse a Feitiçaria? Os materiais que foram recolhidos e guardados em caixas não poderiam ser Artefatos relacionado aos povos originários do Brasil? Sabem o que é curioso? O acervo da Casa dos Pássaros foi parar no Arsenal de Guerra do Exército… No mundo do Castelo Falkenstein, me parece um gancho perfeito para altas aventuras!

Vamos avançar para 1889. A República é proclamada e a Família Imperial é expulsa do Brasil. O que temos? Nada menos do que um palácio imperial, no meio de um terreno gigantesco, cheio de objetos acumulados pelos nossos monarcas portugueses. A recém fundada República desejava se livrar dos símbolos associados com a monarquia. Então,  o que fizeram? Simples, jovem padawan: um leilão que durou quatro meses de tanta coisa que era! Mas você vai dizer “Ok Mateus, e o que um leilão tem a ver com RPG?”. Uai… imagina no Castelo Falkenstein ou mesmo em uma mesa de Savage Worlds o que pode ter nesse leilão. Trazendo de novo o “Velho Continente” de Falkenstein, podemos ter Engenhocas, Veículos Espantosos, Armas Diabólicas, Máquinas Estarrecedoras ou Fórmulas aos montes na coleção pessoal de Dom Pedro II. Ele era um amante da tecnologia no mundo real. Por que não seria um entusiasta das Invenções Vaportécnicas na sua versão Falkenstein? E com tanta coisa valiosa aí no meio… certamente podemos ter grupos rivais competindo (legítima ou ilegitimamente) por algumas das peças mais extraordinárias…

OBJETOS INTRIGANTES PARA AVENTURAS FASCINANTES!

Créditos: Mateus Buffone

Aqui as nossas opções se multiplicam até a exaustão. O MN chegou a ter uma coleção de mais de vinte milhões de objetos… A quantidade de possibilidades de ganchos é ao menos igual a esse número. Ou seja, um bocado! Então, para manter a harmonia cósmica, eu selecionei dois objetos bem diferentes um do outro para você pensar caminhos possíveis de aventuras usando objetos de museus.

Vamos começar com um clássico do MN que todos que já foram ao museu conhecem: o Meteorito do Bendegó. Como o nome diz, ele é um meteorito, ou melhor falando, um siderito! Ele é um objeto de mais de cinco toneladas que veio de fora da Terra cuja composição é principalmente ferro e níquel. Foi descoberto em 1784 (você lembra em qual ano eu disse que a Casa dos Pássaros foi fundada?) no interior da Bahia. Quando Dom Pedro II ficou sabendo da raridade do siderito, ele providenciou o transporte para o Rio de janeiro e, em 1888, o Bendegó estava no que muito em breve seria o MN.

Pedras espaciais são ganchos um bocado óbvios, certo? Então me permitam colocar uma sugestão um tanto fora da curva para o Bendegó. Reparou que ele foi encontrado no mesmo ano que a Casa dos Pássaros foi fundada? Que ele quase anunciou a saída da Família Imperial? Além disso ele também sobreviveu (admito, de forma não surpreendente…) ao incêndio de 2018 que destruiu boa parte do MN. E se o Meteorito de Bendegó estiver de alguma forma associado à essência no MN? Ele pode ser mágico ou mesmo uma casca protetora que abriga um ser ou criatura de grande poder que tem interesse direto na preservação do museu. Também podemos inverter um pouco essa fórmula. Ele é uma enorme fonte de Mana, Magicka, Magia, ou como seu jogo favorito chamar, e foi atraído para a Terra por alguma força sobrenatural que precisa do poder acumulado no Bendegó para se libertar (ou escravizar a Humanidade hahaha!).

Indo para a Coleção Egípcia, escolhemos falar da chamada Múmia Kherima. Ela é (era, pois foi perdida no incêndio de 2018) uma múmia do Período Romano, quando o Egito estava sob domínio dos Imperadores de Roma. Viveu entre os séculos I e II e tinha a peculiaridade de ter seus membros enfaixados separadamente, algo bem incomum para múmias de sua época. Ela chegou até o acervo do MN através de um arremate de Dom Pedro I durante um leilão. O que torna Kherima especial para a sua mesa de RPG não é as características únicas dela no campo da Egiptologia, mas sim os relatos místicos em enormes quantidades associados a ela. Nos anos de 1960, durante aulas de Egiptologia não muito convencionais de um professor do MN uma aluna relatou ao tocar a múmia (eu to falando que essas aulas eram estranhas!) viu o passado dela. A estudante relatou que era a múmia de uma princesa de Tebas chamada Kherima que havia morrido assassinada. Essa experiência batizou a múmia e foi a primeira de muitas histórias bizarras. Passou a ser comum pessoas relatarem que, ao tocar Kherima, tinham visões diversas e outros tipos de transes.

Créditos: Wikipedia

Bom… sou só eu que estou vendo toda uma campanha de Rastro de Cthulhu girando ao redor desse objeto? Temos a fórmula completa de um jogo de investigação com elementos sobrenaturais nas mãos. Tem cultista, tem forças obscuras, tem eventos sinistros, tem gente ensandecida, tem até rituais e símbolos estranhos… E ainda por cima envolve Egito Antigo, que é uma das inspirações centrais pros Mythos.

A QUEIMA DA MEMÓRIA E COMO COLOCAR ISSO EM SUA MESA DE JOGO

Escrever este texto me serviu como uma espécie de catarse do incêndio no MN que foi responsável pela destruição do prédio físico e de uma parcela enorme de seu acervo. Lidar com essa perda é difícil e doloroso para quem, como eu e muitos outros, teve uma relação com o MN. Seja acadêmica, profissional ou simplesmente pessoal. Usar o que o MN foi, o que restou e até mesmo a catástrofe de 2018 em uma mesa de RPG é um exercício tanto de imaginação como de empatia. Encerro este texto lembrando a você que tudo que envolve o MN, envolve também pessoas e, em alguns casos, o trabalho de gerações de pessoas.

Museu Nacional Vive!

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