Por Encho Chagas

É natural do Mestre de RPG começar a mudar algumas regras do seu sistema favorito, personalizar um pouco suas mecânicas para se adaptar ao grupo de jogadores ou até “consertar” algumas características que, pessoalmente, não concorda. Parece até natural que o Mestre acabe tendo que se tornar um pouco game designer para tornar seu RPG favorito o mais perfeito e único para o seu grupo.

Porém o sistema de RPG não é a única parte da experiência de jogo que também pode ser governada por regras. A maior parte do funcionamento da narrativa de qualquer RPG fica nas mãos do Mestre, e normalmente não regida por qualquer mecânica. Coisas como o tempo do jogo, o ritmo, o holofote que determina quem está em destaque na cena, o protagonista de cada evento importante na história. Nós podemos criar novos mecanismos que não irão interferir diretamente nas regras do sistema, mas atuarão provocando uma dinâmica nova de jogo.

No caso deste artigo, a ideia é propor mecânicas básicas que têm o objetivo de gerar o sentimento de urgência. Normalmente é possível provocar os jogadores apenas com interpretação, o Mestre lembrar um contexto qualquer dentro da história e avisar constantemente os jogadores: os jogadores podem aceitar ou não, ou reagir de formas diferentes caso tiverem mais preocupação com a narrativa ou apenas com a parte tática do jogo. Uma mecânica é uma forma simples de acrescentar um novo desafio que absolutamente qualquer jogador irá identificar e entender o que precisa ser feito e para onde aquele trecho do jogo está sendo conduzido. Mais do que uma orientação, a urgência agora passa a ser um objetivo das regras do jogo.

Existe esse dito comum que diz: “quanto mais regras, mais engessado fica um sistema qualquer”. Isso não é exatamente verdade, desde que as regras estejam trabalhando em prol da experiência de jogo e não criando burocracias desnecessárias. E como será evidenciado aqui, a ideia é criar algo extremamente simples. Vamos começar com alguns conceitos bem básicos e progressivamente crescendo e explorando mais a mesma ideia.

Comandando o Tempo

A dinâmica mais fundamental de qualquer jogo de contar histórias é o tempo. Afinal uma história é composta por vários eventos em sequência e, no caso do RPG, construída em conjunto por várias pessoas simultaneamente. O tempo raramente é incluído nas mecânicas de um RPG, a não ser por regras de iniciativa e controle de turnos, mas a condução do tempo na narrativa normalmente está nas mãos do Mestre. Está de dia ou de noite? Por quantas horas meu personagem conseguiu descansar? Quanto tempo vai durar esta viagem? Quanto tempo demora para carregar minha aljava de flechas? Nós vamos comandar o tempo.

Um Contador de Tempo pode ser um prop muito simples: um papel em que o mestre vai fazendo novas marcas, um recipiente com vários papéis amassados a serem removidos, um desenho com vários quadradinhos em sequência e um marcador que se movimenta da posição um para dois e três, etc. Como queremos deixar nossa mecânica simples mais adiante, vamos tirar o máximo de coisas do espaço virtual do jogador e trazer para o visual: todas as nossas novas mecânicas serão visuais. Nós temos as fichas de personagem que informam visualmente aos jogadores os dados que eles precisam para as demais regras, e o nosso Contador vai fazer o mesmo pela nossa mecânica de urgência.

O Contador vai deixar visível aos jogadores quanto tempo eles ainda têm para executar uma tarefa, desde que se determine quanto tempo dura cada intervalo. Um turno, uma rodada, um dia, um mês. Na hora em que ele é apresentado aos jogadores, o Mestre informa o intervalo e pronto. Basta marcar a passagem de tempo para que todos entendam que eles precisam se apressar.

Você pode usar Contadores de diversas formas: o grupo tem dez horas para chegar em algum lugar, um personagem tem quatro rodadas até ficar paralisado por um veneno, o fogo vai se espalhar pela casa em cinco cenas tomando um cômodo novo por vez. Um prop simples e extremamente eficiente para criar urgência. Crie vários Contadores diferentes, se preciso.

Um Contador é muito mais eficiente do que apenas perguntar ao Mestre “Quanto tempo ainda falta para a escuridão que o mago invocou sair do campo de batalha?”. Na prática, quanto mais informações se tira do campo virtual do jogo e trás para o papel, para o campo físico, menos se exige do jogador. Imagine se os jogadores tivessem que decorar todas as informações de sua ficha? A lógica é a mesma para os Contadores.

Recursos como Contadores

Uma outra forma de gerar urgência, é utilizar algum recurso de um personagem como um contador. Dessa forma o próprio inventário de um dos jogadores se torna o prop, e você coloca aquele jogador no holofote. Ele é o controle, e todos dependem dele para saber como as coisas estão.

Um personagem doente pode necessitar doses diárias de um remédio, que os jogadores apenas possuem quantidades limitadas. Os arqueiros de um castelo podem segurar os inimigos do lado de fora dos portões enquanto durar suas flechas.

Progresso

Por enquanto nossos contadores ainda são controlados pelo Mestre, ou seja, ele determina o intervalo de tempo que cada marca do Contador representa e ele faz as marcas quando o jogo atinge cada intervalo. Agora nós vamos trazer os jogadores para o comando dessa mecânica.

Um Contador de Progresso é basicamente a mesma coisa do outro, com a diferença que ele apenas se movimenta quando os jogadores executam uma tarefa. No momento em que ele é apresentado, o Mestre informa aos jogadores qual ação eles precisam fazer para mover o contador, e o próprio contador determina quantas vezes eles precisarão fazer aquilo para concluir o objetivo.

O Mestre ainda pode combinar os dois tipos de Contadores: os jogadores precisam avançar de trincheira a trincheira antes do inimigo deixar o campo de batalha. Ou ainda criar dois Contadores de Progresso, um controlado pelos jogadores, outro pelos personagens do Mestre: os jogadores precisam avançar trincheira a trincheira antes dos inimigos, que estão avançando na direção oposta. Desta forma, além da dinâmica de urgência, os jogadores ainda ganham uma escolha: eles podem avançar ou impedir o avanço dos inimigos, igualmente relevante.

Complicadores por Tempo

É comum que os combates ou conflitos de qualquer jogo se tornem enfadonhos após algum tempo. Já se sabe como cada personagem se prepara antes de um conflito, como os jogadores reagem a cada tipo de adversários, e é possível até que eles provoquem um certo desbalanceamento convencional após criar combos e otimizações estratégicas, dificultando o trabalho do Mestre de propor desafios adequados. Isso tudo é natural e até esperado em qualquer aventura.

Agora, além de urgência, vamos utilizar nossos Contadores para incrementar novos desafios, assim como sugerido anteriormente combinando Contadores de Progresso.

Praticamente qualquer RPG estabelece regras para condições complicadoras. Por exemplo: como lutar no escuro, ou à longa distância, cercados por fogo, etc. Algo que está em cena que gera penalidades ou bônus para as jogadas. São formas convencionais que cada sistema oferece para tornar cada conflito único, com mais ferramentas para o Mestre. Nós vamos fazer o mesmo aqui, porém nossos complicadores estarão atrelados a diferentes Contadores.

Empurrando a Carroça (Exemplo para Mouse Guard RPG)

Os patrulheiros estão em combate contra saqueadores próximos a Lockhaven, e além disso a forte chuva atrapalha a movimentação da carroça, carregando uma erva medicinal bem frágil. Eles precisam levar a carroça em segurança e rapidamente até a fortaleza antes que a erva seja danificada pela chuva, ou seja, pelo menos um dos jogadores precisa dedicar sua rodada a ficar empurrando, sem poder agir livremente. Se eles não avançam a carroça, eles não têm como vencer completamente ainda que vençam os saqueadores em combate. O Contador de Progresso precisa ser avançado cinco vezes, antes do Contador de Saúde da carroça chegar a zero, para que eles concluam o objetivo.

Esta pequena regra vai dar origem a uma nova dinâmica de jogo: Além de enfrentar os saqueadores, a cada rodada pelo menos uma das cartas precisará ser uma Manobra, que representa o movimento da carroça. Caso eles consigam ter sucesso colocando duas cartas de Manobra em uma única rodada, eles têm a chance de chegar ao objetivo mais cedo. Se eles não conseguirem levar a carroça até o castelo, eles terão um complicador durante a resolução do conflito mesmo se vencerem o combate. Porém eles podem se dedicar ao combate e tentar eliminar todos os adversários antes do tempo necessário, o que seria uma manobra arriscada se eles ficarem sem tempo. Os adversários também podem utilizar manobras para impedir o movimento da carroça, tornando impossível o progresso do Contador até que alguém faça um reparo de emergência.