Por Fábio Medeiros

Capitã Marvel, o 21º filme do Universo Cinematográfico Marvel (MCU) e o primeiro com uma protagonista mulher estreou mês passado trazendo muita polêmica. Um grupo de interessados tem feito uma crítica forte ao filme, com espinhos sendo lançados na direção da atriz Brie Larson e de alguns problemas detectados de roteiro. Outra parcela dos interessados destaca que esta reação é birra dos homens por ter encontrado em Carol Danvers uma personagem feminina independente e extremamente poderosa, por vezes eclipsando os poderes de personagens masculinos com um grande histórico nos dez anos do MCU.

Goose, o Gato

Livre desta rixa, saindo do filme com sua imagem praticamente limpa, adorado por todos os lados desta querela, está o gato Goose. Um gatinho laranja que aparece nas memórias de Carol Danvers, em momentos que ela teria vivido na Terra. Muita hype foi criada sobre o “pet” da Carol Danvers, pois nos quadrinhos ele é um ser alienígena, da espécie “Flerken”.

O nome do Flerken nos quadrinhos é Chewie, uma homenagem ao Wookie parceiro de Han Solo nos filmes da trilogia original de Star Wars. Como a história de Carol Danvers se passa na década de 1990 e a personagem tem em seu histórico ser piloto de caça, o nome do gato no MCU passou a ser uma homenagem ao Goose, parceiro de Maverick interpretado no filme Top Gun por Anthony Edwards.

O próximo parágrafo contém spoilers que podem atrapalhar a sua diversão caso não tenha assistido ao filme Capitã Marvel. Caso prefira, pule direto para o item: Goose – Uma Ferramenta do Roteirista (e Narrador?).

No início do filme Carol não tem memória anterior aos últimos seis anos.  Aos poucos o filme revela o passado de Carol como piloto de testes de caça, acompanhada de Maria Rambeau, uma colega piloto, e da cientista Wendy Lawson, que possui um gatinho e conhecimento sobre tecnologia alienígena. Esta cientista abre a oportunidade para que as duas mulheres pilotem caças americanos modificados em ambiente de teste. A postura de Carol Danvers se revela como persistente, obstinada, buscando sempre testar seus limites e ir “mais alto, mais longe, mais rápido”.

Goose – Uma Ferramenta do Roteirista (e Narrador?)

O gato Goose está presente em momentos chave das lembranças de Carol, e caminha junto com a dupla Carol Danvers e Nick Fury em várias situações. Ele aparece em geral como um alívio cômico, tendo algumas interações divertidas entre ele, Fury e Carol.

Porém, quando alienígenas que já conhecem os Flerken  – ou pelo menos a fama da espécie – veem Goose, o recebem com medo. Seu poder e periculosidade são destacados como alarmantes e em determinados momentos essas preocupações são validadas no filme. Coisas assustadoras como tentáculos gigantes saindo da boca do bichano ou ainda o corpo dele servir como uma espécie de portal para outro mundo, isolando objetos no espaço-tempo.

A inserção de Goose no filme foi uma ferramenta eficaz para ajudar a trazer o tom do filme, de início com um gatinho que toma banho de língua e aparenta ser fofinho, ao mesmo tempo que surge em momentos e locais sugestivos. A medida que Carol vai aprendendo sobre seu passado e reais habilidades, a origem alienígena de Goose vai sendo revelada também, apresentando sua fama e em seguida as habilidades.

Nos Roleplaying Games esta mesma prática pode ser utilizada pelos narradores. Neste caso, o NPC fica o tempo todo sob controle do narrador, que define as reações dele e os seus resultados. Há um cuidado necessário para que os jogadores, que deveriam ser os protagonistas, não acabem se tornando coadjuvantes enquanto o “pet” do narrador brilha e rouba a cena, resolvendo toda a situação difícil sozinho. Neste caso corre-se o risco de as personagens de jogadores ficarem inertes, passivos durante a cena, muitas vezes frustrados e impossibilitados de resolver as questões com suas próprias capacidades.

O poder do “pet” pode ser utilizado no cenário de fundo, visando dar tempo aos personagens protagonistas para que possam resolver a situação sem serem tomados por forças avassaladoras. Notem que a ação principal se passa por meio dos jogadores e suas personagens, o NPC apenas auxilia, dando espaço para que os personagens brilhem.

O “pet” pode também servir como uma ferramenta puramente narrativa, ao demonstrar conhecer e se sentir seguro próximo a determinado antagonista, revelando que existe algo a mais na história que pode ter passado despercebido pelos jogadores/ personagens. As participações narrativas também podem estar vinculadas ao conhecimento sobre o passado ou alguma localização, o animal indicando a localização, ou pelo menos o caminho para a resolução.

Novamente o narrador deve cuidar para não transformar a sessão num “trilho”, que não permite a tomada de decisão dos jogadores. Estas ações podem se tornar efetivas num momento em que a sessão chega num impasse, em que os jogadores não sabem como agir, ou como leves sugestões que ajudem o processo de tomada de decisões dos jogadores.

Um companheiro para seu personagem de Hora de Aventura

Em todas as utilizações do “pet” trazidas até então, mesmo que pertençam a um personagem, o controle acaba sendo executado pelo narrador. Porém muitas vezes a demanda pelo companheiro animal vem do jogador, que solicitou exatamente por estar interessado em ter controle sobre ele.

Nestes casos, o uso como ferramenta de narrador diminui bastante, porém não se extingue. Há sempre a possibilidade de um animal se revelar algo mais, ser descoberto um passado velado, ou algo parecido.

De qualquer maneira, há uma questão emergente relacionada ao cuidado para que o animal companheiro não venha a causar um desequilíbrio no jogo. As habilidades do “pet” precisam ser contabilizadas como poderes da personagem do jogador. A personagem terá uma ação a mais por rodada e algumas características que poderão beneficiá-la de maneira evidente, principalmente se existir um elo empático entre os companheiros, permitindo que os dois compartilhem o que sentem e percebem do seu entorno.

A sugestão é limitar nesses casos o elo para quando os dois estão bem próximos, ou exigir um período de concentração bem intenso, em que o mínimo distúrbio de um lado ou de outro possa cortar esta condição, ou transformar o companheiro num alvo em potencial para os inimigos, causando assim um temor de mantê-los separados por muito tempo, principalmente em ambientes hostis.

Em Hora de Aventura, este companheiro pode ser uma versão em miniatura do próprio personagem, como um homúnculo, ou uma pequena criatura feita de um determinado elemento, representando a relação próxima entre o personagem do jogador e este elemento. O homúnculo poderia se desprender do corpo do personagem e ganhar forma animada, como pequenas guloseimas que saem do corpo feito de bala do personagem. Uma fada ou uma pequena criatura feita de doce poderia auxiliar a representar o lugar de onde a personagem veio, ou por onde ele passou. Desta forma ficam evidentes algumas relações da personagem com um determinado grupo ou região.

Uma opção bem prática é acrescentar o companheiro como uma proeza na ficha do personagem, desta forma o jogador precisa abrir mão de outra proeza para poder usufruir do seu tão desejado “pet”. Para caracterizar melhor a ideia de ser um “pet” e não apenas uma habilidade do personagem, pode ser feito uma pequena ficha com a descrição dele, um pequeno desenho e qual (ou quais) atributo(s) do personagem ele pode usar como sendo dele.

Na ficha do personagem pode ter uma proeza chamada “Companheiro” e a ficha do companheiro incluir apenas um atributo excepcional.

 

Exemplo de pet como habilidade extra do jogador:

 

Exemplo de pet como habilidade extra do jogador

O “pet” utilizado pelo narrador pode ter uma versão reduzida de uma ficha de NPC, com um ou dois atributos e proezas disponíveis.