Por Fernando Del Angeles

A Disney+ estreou (infelizmente só na gringa) e nos trouxe uma série no universo de Star Wars, The Mandalorian. A série nos traz um mandaloriano caçador de recompensas sem nome e sem rosto, e nos aprofunda um pouco na cultura mandaloriana. Para quem já conhecia o universo das animações de Star Wars os conceitos apresentados não são nenhuma novidade.

Para você que ouviu as palavras “mandaloriano”, “caçador de recompensas” e pensou em Bobba Fett, não, não é ele. A história se passa 5 ou 6 anos após o evento de O Retorno de Jedi e, pelo menos teoricamente, Bobba Fett está morto, devorado por um Sarlacc.

A partir daqui o texto pode conter spoilers, então leia por conta em risco.

A série tem um ar dos antigos filmes de cowboy e de pistoleiro solitário, um caçador de recompensas que segue o código da guilda e se divide com sua lealdade com um grupo de mandalorianos sobreviventes do grande expurgo de Mandalore. Porém, no primeiro episódio o nosso personagem principal, conhecido apenas como Mandoloriano até então – ou Mando para os íntimos – tem a missão de recuperar algo para um grupo de ex-imperiais. No decorrer de sua missão, ele descobre que o pacote é um bebê, mas não um bebê comum: um bebê da raça do yoda (e com isso a internet se encheu de imagens e memes do baby Yoda) e ele decide então proteger o bebê, rompendo assim com a guilda de caçadores de recompensa e ganhando um poderoso inimigo.

Bem, não me cabe aqui falar sobre toda a história, mas no geral é ele fugindo de planeta em planeta e tendo que lidar com caçadores enviados para recuperar o pacote e matá-lo. Porém, no último episódio ele decide que o único jeito de acabar com isso é voltando e matando quem quer o bebê e a sua cabeça. E é do último episódio que eu quero falar, mais precisamente a última cena do último episódio.

Para dar um pouco de contexto do que estou falando, é revelado que o grande vilão que busca o bebê é Moff Gideon (Giancarlo Esposito) que conhece o Mandaloriano, já que ele é o responsável por liderar o expurgo em Mandalore. Moff Gideon treta com o Mando e seu Tie Fighter cai. Quando tudo parece resolvido, temos o cliffhanger para a próxima temporada, Moff Gideon abre um buraco no Tie Fighter com um sabre negro, minha cabeça explodiu nesse momento!

Para quem não sabe, o sabre negro foi criado por Tarre Viszla, um Jedi Mandaloriano. O sabre ficava no templo jedi até a época da velha república, mas foi recuperado pelo clã Viszla e levado para Mandalore, onde servia como um símbolo de poder. Porém este sabre já tinha aparecido em outras mídias de Star Wars, mais precisamente nas animações Clone Wars e Rebels. O sabre já esteve em posse de Darth Maul em Clone Wars, que chegou a governar Mandalore, depois foi recuperado por Sabine Wren em Rebels, que usou para recuperar o controle de Mandalore e o sabre ficou nas mãos de Bo-Katan, tudo isso antes dos eventos da trilogia clássica de Star Wars.

Mas onde entra o RPG nisso?

Star Wars surgiu em em 1977, e de lá para cá já teve animações, quadrinhos, livros, especiais de natal, todo um universo expandido, tão expandido que havia informação desencontrada demais. Quando a Disney adquiriu a marca, ela decidiu resetar este universo expandido. A partir de então, o que valia para o cânone do universo eram os filmes, a animação Clone Wars e o que fosse lançado por eles a partir de então.

Logo em seguida veio a animação Rebels, e certas ideias jogadas nos filmes ou na animação Clone Wars começaram a se encontrar, muitas vezes apenas em easter eggs, outras vezes dando continuidade na história, por exemplo, Saw Guerrera que aparece em Rogue One, já tinha aparecido em Clone Wars, sendo treinado por Obi Wan e Anakin, depois apareceu em Rebels. A nave de Rebels aparece durante a batalha de Rogue One e aí por diante.

Quando eu vi o sabre negro em The Mandalorian, tive um estalo de algo que já faço com meus amigos de longa data em nossas mesas de RPG, que é aproveitar uma história que jogamos em outro período e fazer as histórias se cruzarem.

Provavelmente você já fez isso alguma vez, então provavelmente você sabe como isso é legal, mas que tal falarmos um pouco mais sobre as vantagens que isso apresenta?

História Viva

Usar uma história já narrada antes, seja como pano de fundo ou como um desenrolar da história atual, mostra que o seu cenário é vivo, que ele segue em frente e dá continuidade ao que foi jogado antes. A história simplesmente não acabou quando você e seus amigos decidiram que era hora de parar aquela história – ou simplesmente se afastaram – ela continuou e agora um novo grupo esbarra com ela.

Há cerca de 15 anos – em cronologia real –, nosso grupo de amigos jogou uma história em que o imperador tinha aprisionado seu irmão magicamente em forma de estátua para poder assumir o poder. Nosso grupo recuperou a estátua, mas nunca conseguiu acabar com o efeito da magia. Infelizmente, o pessoal que jogava com a gente acabou se afastando, jogando apenas esporadicamente e a história ficou assim. Hoje, jogando com um grupo novo, onde 4 dos 5 jogadores originais dessa história também fazem parte do grupo iniciamos uma história onde o grupo achou uma jarra com um líquido de extremo poder, e se deparou com um grupo querendo usá-lo para acabar com uma maldição de petrificação de uma pessoa. Pronto, mais um mindblowing! Depois de 15 anos, a gente revisitava uma das melhores campanhas que tínhamos jogado, com jogadores novos que não entendiam as referências, mas com boa parte do grupo original que pode ver os feitos de seu antigo grupo sendo relevantes para a história. 

Um adendo aqui: o mestre da história prequel e a atual eram mestres diferentes, o mestre original está jogando essa história atual e provavelmente também se sentiu homenageado com essa situação.

Essa sensação da história andar, e os atos de seus antigos personagens sendo importantes para o mundo é muito gratificante, principalmente jogando a história no futuro e não apenas o mestre dizendo o que aconteceu com cada um.

Pontos de Vista Diferentes

Assim como em Star Wars, onde o sabre negro foi visto em 3 mídias diferentes, duas animações – que possuíam focos diferentes – e uma série, as histórias que você vai narrar dando continuidade podem ter focos diferentes. Talvez jogando com pessoas que enxergam os fatos de forma diferente, ou com novas informações a respeito daquilo surgindo, ou ainda, com o outro lado dessa história. Isso ajuda a tornar a trama mais densa e real.

Em nossa história do príncipe que teve o trono ursupado, o grupo original acompanhou a história desde o início, e via a história de uma forma completamente diferente do grupo atual, que teve que acreditar na palavra de pessoas que não conheciam para usar um líquido de extremo poder – o grupo acredita ser o sangue de uma deusa caída – para algo que eles não compreendiam exatamente.

Personagens Icônicos

Em Rebels, quando uma misteriosa personagem que ajudava o grupo se revelou como Ashoka Tano, ex-padawan de Anakin Skywalker, todos que curtiam Clone Wars vibraram, também vibraram com a volta de Darth Maul, com o combate de Vader e Ashoka, mestre e aprendiz, e com o derradeiro combate entre Maul e Obi Wan. Essas participações de personagens já conhecidos, mas apresentados depois de algum tempo sempre são bem-vindas.

Mostrar como os personagens mudaram, o que os anos de experiência fizeram com eles, como eles se encaixam no mundo atualmente. E claro, se forem os personagens dos jogadores, dá um orgulho vê-los mais velhos e para onde a história que vocês jogaram os levou. É quase como um filho.

Histórias antigas, novos problemas

O sabre negro é uma arma poderosa. Mais do que isso, um símbolo de poder. Ele estar nas mãos de um ex-imperial é um problema sério, principalmente em um momento em que, após a queda do império e da “morte” de Darth Sidious, os líderes restantes do império estão tentando se manter no poder da galáxia – como visto nas histórias dos livros da trilogia Aftermath. E além disso ele deseja recuperar um bebê da raça do Yoda que apresentou aptidão com a força. O que ele quer?

Voltar a uma história já narrada não significa recomeçar de onde ela parou, principalmente se alguns anos já tiverem se passado. O que aconteceu nesse meio tempo? Quais os novos desafios que essa história desencadeou? Novos interessados nessa história? O que eles querem? Todas estas são perguntas que podem fazer não só a história andar, mas também apresentar novos desafios, vilões e perigos para os novos personagens que pegaram o bonde andando.

Voltando a nossa história do príncipe petrificado, conseguimos acabar com sua maldição, mas já haviam se passado 30 anos desde que ele fora amaldiçoado por seu irmão ursupador, acabar com a maldição não significava que os problemas tinham acabado. Quem iria acreditar que ele era o antigo príncipe, herdeiro legítimo do trono? Como provar isso? Quem o apoiará?

Histórias secundárias e easter eggs

Não é necessário usar toda a história já narrada como continuação de uma nova história principal. Seus antigos personagens podem aparecer como uma participação especial, ajudando ou até indo contra o grupo principal. Ou apenas como um nome importante do cenário. As histórias já narradas podem ser lendas – e portanto até mesmo ser exageradas. Algo que os jogadores fizeram em outra encarnação pode acabar esbarrando com o novo grupo. Não é porque você jogou que ela deva ser o único plot principal a ser narrado. O sabre negro mesmo nunca foi algo apresentado nos flmes, ou até mesmo um dos personagens mais amados pelos fãs de Star Wars, Ashoka Tano – apesar da voz dela estar lá naquele momento que os antigos Jedi falam com a Rey no episódio IX.

Em nossas histórias, vários NPCs que aparecem são personagens que já jogamos em algum momento. Muitas vezes o mestre nem diz o nome dele, mas a aparência, a forma de agir e outras trejeitos vai deixar claro que aquele era o personagem fulano de tal, mesmo que o mestre nunca confirme ou negue.

Há, é claro, o clássico caso de personagens de jogadores que acabam virando vilões. Isso também é algo bacana a se explorar.

Não se prenda a sistemas

Não é necessário se prender a um único sistema, assim como em Star Wars as mídias em que o sabre negro foi apresentado eram diferentes, o seu sistema também não precisa ser o mesmo. Esta é uma boa oportunidade para conhecer novos sistemas e experimentar novas formas de se jogar.

Em nossa história original jogamos em GURPS, em alguns momentos jogamos histórias no mesmo cenário em Savage Worlds e essa continuação direta da história está sendo jogada em D&D, RPGs diferentes, cada qual com sua forma de visão de jogo e participação do jogador/personagem na história.

Encerramentos

O melhor de tudo talvez seja poder voltar a uma história bacana e dar um encerramento a ela. Talvez seu grupo tenha se afastado como o meu e a história não foi até o fim. Dando continuidade na história, mesmo anos depois, é possível dar um encerramento a alguma história bacana que ficou em stand by.

Há vários seriados sendo resgatados após serem encerrados, ou filmes ganhando continuação após anos de lançamento, porque não podemos aplicar a mesma lógica ao RPG?

E aí, você já fez algo assim? Conte suas experiências.