Por Carol Neves

Chernobyl: o que a nova minissérie da HBO pode contribuir para sessões de terror Lovecraftiano?

Atenção: Se você assiste, está assistindo ou pensa em assistir a minissérie, aquiete o coração porque essa coluna não irá trazer nenhum spoiler além daquilo que consta na sinopse da série ou dos fatos já conhecidos e pertinentes ao acidente na usina nuclear.

O evento e a série: um briefing

A minissérie de cinco partes de Craig Mazin, Chernobyl da HBO, é talvez um dos melhores exemplos de horror, drama, thriller político na medida certa que já foi filmado e o que mais nos deixa de queixo caído é o fato de que foi totalmente baseado em fatos reais – dando ênfase a fatos históricos pertinentes e incluindo novidades à trama, uma verdadeira licença poética para adaptar às telinhas. Mesmo que muitos diretores tenham buscado a todo custo ao longo dos anos uma forma de adaptação com a inspiração dos antigos deuses de Lovecraft, a equipe criativa que esteve por trás de Chernobyl atingiu o mesmo tom (ou ainda além) ao invocar uma quantidade ilimitada de pavor de objetos banais, como pedacinhos de grafite.

Lidar e reproduzir o horror cósmico é algo difícil e perturbador, em especial quando tentamos comunicar através de veículos audiovisuais (foca no “visuais”). A sensação do desconhecido que rodeia, de que há algo antigo e muito, muito, muuuuuito poderoso na porta ao lado, andando lado a lado conosco ou a superfície do nosso mundo e que pode ser evocado é algo aparentemente simples, mas complexo de ser mostrado.

O evento de Chernobyl é muito interessante de forma histórica e dramática e um excelente aporte para ideias de spin offs com as lendas de Lovecraft, que pode ser facilmente adaptado ao sistema de Rastros de Cthulhu.

Desde o poder ilimitado de deuses arcanos que não podem ser concebidos, muito menos controlados por mentes humanas, à atmosfera de pavor invisível pode ser a melhor maneira para apreciar o freak show.

Isso, por si só já oferece um alerta terrível sobre os perigos que a humanidade enfrenta hoje.

Com a explosão do “Reator 4“, milhares de pessoas foram expostas a uma nuvem radioativa onde, trinta e uma pessoas morreram no primeiro trimestre, mas milhares pereceram nos anos que se seguiram com doenças relacionadas ao desastre e, consequentemente, a exposição.

Cada respiração traz a morte mais perto.

Em termos históricos…

Chernobyl lida com o desastre nuclear de 1986 ocorrido na usina nuclear de mesmo nome, localizada na Ucrânia soviética. Trata-se de um incidente que aconteceu devido a uma falha em cascata na supervisão do governo e a uma incapacidade de quem trabalhava na fábrica entender o quão ruim as coisas poderiam ficar e com que rapidez as coisas poderiam desandar.

A União Soviética queria grandes reatores nucleares e pagar pouco por isso, achou então que seria uma ótima ideia delegar o serviço a indivíduos leais ao partido e… praticamente um acidente dessa grandeza parecia uma tragédia anunciada quando escrevo esse parágrafo. No entanto, por mais que as pessoas da época pudessem compartilhar de visão similar a minha, que o colapso era questão de tempo, como eles poderiam simplesmente reportar isso ao seu superior, sabendo que tal atitude consistiria na sua obliteração e que, simplesmente, a pessoa seguinte da fila ocuparia a sua posição. Complicado, não?

Seria possível encarar essa catástrofe, todos os humanos que ainda amargam com seus efeitos e até mesmo enfrentar criaturas, mutações originadas a partir dessa tragédia, cultistas, ou seja lá o que a sua cabeça conseguir produzir?

E a resposta vem rápido como um estouro: Sim, Chernobyl pode ser o novo rosto do horror cósmico!

Algumas dicas para os amantes da literatura de H. P. Lovecraft e para sua adaptação ao sistema, seria tentar correlacionar alguns detalhes para costurar a história (além de definir, é claro o espaço temporal em que a mesma irá se passar).

Por exemplo: Como autora de uma aventura com essa temática, exploraria “A Sombra do Campanário”, originalmente chamado de “The Shadow from the Steeple”, uma homenagem do autor Robert Bloch a Lovecraft.

Algo a se considerar para um enredo, seria a utilização da entidade Nyarlathotep (Niarly, para os íntimos) onde o mesmo poderia possuir o Dr. Dexter para que o mesmo se torne um cientista de influência no ramo de desenvolvimento de armas nucleares (e aí entra a questão do espaço temporal do seu jogo: será durante ou pós o evento em si).

Ainda utilizando Nyarly, mas o colocando em segundo plano (os jogadores não necessariamente precisam saber de seu envolvimento nos incidentes vindouros), poderiam associar alguma criatura mitológica importante selada no Reator 4 e a partir disso, Nyarly poderia agir sob duas circunstancias: tentando ativamente romper o selo para liberar a criatura ou fazendo de tudo para que a mesma se mantenha lá.

Agora, trazendo para um período pós tragédia, poderíamos explorar um grupo investigativo cujo objetivo central é a examinar os destroços: o que seria um set incrível para incluir Nyarlathotep do que o período em que o reator entrou em colapso?

Nessas circunstâncias, também é possível explorar a ideia de alguma criatura atrelada ao reator que explodiu e rezar para que os seus jogadores mantenham seus pontos de sanidade a salvo.

Por fim, para uma campanha de viés mais realista, seguindo a base histórica do ocorrido, se basear em toda a questão dos homens obrigados pelo governo sob ameaça implícita de morte ou exílio, que precisavam limpar manualmente todo aquele grafite radioativo em um ambiente insalubre, inóspito e extremamente perigoso. Uma tensão que, por si só, já é capaz de provocar um pavor inimaginável a qualquer um.

E nesse âmbito de narrativa, o poder da radiação é quase impossível de compreender, o que torna um excelente plot para uma aventura de horror cósmico. Mas é a natureza míope da condição humana que traz o medo genuíno para o ocorrido em Chernobyl: você pode não ser capaz de senti-lo diretamente, cheirá-lo ou prová-lo, mas aquilo significa morte, e não se importa com o que seu governo acha que pode ou não estar acontecendo.

A verdadeira face de tensão do horror cósmico não é que o custo para impedir uma ameaça existencial seja alto demais, mas que o perigo que isso representa pode parecer tão abrangente que não nos sentimos à vontade em fazer nada.

O limite continua sendo a nossa imaginação.