Por Thiago Rosa

Você não é apenas caçado pelos outros. Inadvertidamente, você caça a si mesmo.”
– Dejan Stojanovic

A presença de monstros é um dos elementos mais tradicionais do RPG. Poucas coisas nos afastam tanto do mundo real quanto a presença de uma criatura monstruosa, frequentemente com habilidades sobre-humanas ou sobrenaturais. A quebra de paradigma causada pela presença do monstro serve como licença para o abandono da realidade. A verossimilhança surge da consistência interna desse mundo com monstros. Um monstro humanoide de nove metros não causa muito estranhamento, mas se esse mesmo monstro é derrotado com um único tiro de um .38 isso soa muito estranho. Mais que isso, um monstro é uma criatura inumana, frequentemente com uma consciência muito tênue. Não nos gera desconforto se ele é ferido ou morto. Contra um monstro, o uso de violência é legitimado e cenas de ação florescem. Talvez esses motivos tenham influenciado o surgimento de um subgênero que coloca pessoas normais (ou quase) para caçar monstros.

Aquele que caça monstros

Os exemplos de caçadores de monstros são muito antigos. Em um período de mil anos, vamos de Órion a Beowulf. Porém, esses caçadores lendários não contribuíram muito para a construção do ícone contemporâneo do caçador de monstros. Isso aconteceu mil anos mais tarde, com Abraham Van Helsing; um personagem que, curiosamente, não caçava monstros.

Drácula, de Bram Stoker, é um romance epistolar que figura entre as obras fundamentais da concepção moderna de horror e fantasia. Nela, o maior obstáculos aos esforços do protagonista são as ações do médico Abraham Van Helsing, que identifica o vampirismo e conhece as fraquezas dos vampiros. O livro não diz claramente que Van Helsing caça vampiros; na verdade, ele demora tanto para identificar os sintomas de Lucy que é tarde demais. Porém, Drácula estabelece dois fatos fundamentais sobre esse arquétipo:

  1. O caçador de monstros não é tão poderoso quanto os monstros que caça.

  2. A maior arma do caçador de monstros é seu conhecimento.

Com o passar dos anos e as visões diferentes que surgiram desse conceito em diversas mídias, nem sempre essas duas regras são seguidas à risca. Atualmente, é comum ver caçadores de monstros em pé de igualdade com as criaturas que enfrenta (ou pelo menos com algumas delas). Isso é particularmente comum no Japão, com exemplos como Dante de Devil May Cry e Hyakkimaru de Dororo.

 

Além disso, é mais comum que o escopo das caçadas seja mais restrito. Temos mais caçadores de demônios ou de vampiros ou de zumbis que caçadores de monstros em geral. Isso coincide muito bem com a questão do conhecimento. Se trata-se de uma categoria específica de criatura, faz mais sentido que seus poderes e fraquezas sejam padronizados e que o caçador saiba como lidar com eles.

Cada caçador de monstro pode ter começado a trilhar esse caminho por uma série de motivos. Caso queira uma motivação para seu personagem caçador de monstros mas não tenha nenhuma ideia em mente, jogue 1d12 na tabela abaixo:

  1. Os monstros mataram um ente querido seu. Agora você vai caçá-los para se vingar.

  2. Você não tem escolha. Os monstros parecem ser atraídos até você.

  3. Você foi amaldiçoado. A única forma de se livrar da sua maldição é matando monstros.

  4. Existe algum segredo que apenas os monstros conhecem. Você vai caçá-los até que um deles revele esse segredo.

  5. Matar monstros é uma tradição da sua família ou um ritual de passagem da sua tribo.

  6. Você não queria matar monstros, mas esse foi o último pedido que uma pessoa amada lhe fez.

  7. Você encontrou uma arma feita para caçar monstros. Ela direciona sua jornada desde então.

  8. Você teve um sonho sobre um futuro terrível causado pelos monstros. Agora os enfrenta para evitar que esse futuro aconteça.

  9. Os monstros arruinaram seu reino/país natal. Você luta para evitar que eles façam isso de novo.

  10. Uma pessoa querida se transformou num monstro. Você os enfrenta para aprender mais sobre eles e reverter a transformação.

  11. Você matou seu primeiro monstro por acidente. Desde então, se viu envolvido e não consegue mais sair.

  12. Você simplesmente gosta muito de matar. Quando você mata monstros, ninguém reclama muito.

Organizações que caçam monstros

Uma variação comum no conceito de caçadores de monstros é de uma organização inteira envolvida na caçada. Geralmente essa organização detém uma vasta biblioteca de conhecimento sobre o monstro específico que é alvo de sua cruzada, além de recrutar e treinar os futuros caçadores. Depois disso, a organização costuma direcionar os esforços de seus membros e dar suporte para que consigam realizar suas missões.

Normalmente esses organizações são relativamente pequenas, mas existem exemplos delas com escopo global ou mesmo de diversas filiais da organização espalhadas pelo mundo. O exemplo mais famoso desse tipo de organização provavelmente são os Homens de Preto.

 

A presença de uma organização é um excelente ponto de partida para uma campanha de RPG. Isso dá aos jogadores um objetivo em comum, facilita seu acesso a transporte e equipamento, estabelece um quartel-general para onde retornar, dá aos jogadores um senso de unidade e os coloca em contato com PNJs com os quais podem interagir repetidas vezes. Além disso, durante a campanha, a organização por si só é uma fonte quase inesgotável de aventuras. Todo tipo de complicações pode acontecer dentro da organização, independente da missão dos personagens dos jogadores. Na verdade, é ainda mais interessante se os problemas internos da organização não tiverem relação direta com os casos; faz o mundo de jogo parecer mais rico e mais verossímil. Caso utilize uma organização de caçadores de monstros na sua campanha, você pode escolher um evento a cada aventura. Caso esteja sem ideias, jogue 1d12 na tabela abaixo:

  1. Um grupo rival dos personagens decide atrapalhar a missão, para obter prestígio.

  2. O superior dos personagens sofre uma sanção devido a um erro dos personagens.

  3. Um monstro mantido em cativeiro escapa.

  4. O pagamento dos caçadores atrasou.

  5. Há boatos de que há um espião na organização. O principal suspeito é um dos personagens dos jogadores.

  6. Uma nova arma contra os monstros parece ter sido desenvolvida. Facções buscam assumir o crédito por descobri-la.

  7. O grupo descobre que um outro caçador recebe benesses que eles não recebem, mesmo não tendo um rendimento tão bom quanto o deles.

  8. O paradeiro de um monstro perigoso foi determinado, mas os superiores não conseguem se decidir sobre quem mandar.

  9. Alguém está comendo a comida deixada em potes na geladeira. Até mesmo aquelas devidamente etiquetadas.

  10. Um antigo desafeto do grupo é promovido. Se você quiser ser especialmente cruel, ele pode ser o novo supervisor direto deles.

  11. Uma outra organização faz uma visita para troca de experiências.

  12. Um patrono importantíssimo da organização vai fazer uma visita. Os personagens dos jogadores são encarregados de garantir que tudo corra bem.

Caçadores solitários

Então você quer jogar com um caçador de monstros. Porém, você é o único jogador no seu grupo com essa vontade. Pior, a campanha do mestre não gira em torno da caça de monstros. Será que você vai ter que guardar essa ideia de personagem para outra campanha?

Na ficção, às vezes encontramos caçadores de monstros fazendo parte de grupos mais heterogêneos. Isso é especialmente comum nos quadrinhos americanos, como Blade e Elsa Bloodstone da Marvel Comics. Eles frequentemente fazem parte de equipes de super-heróis, ajudando com as missões em geral e assumindo posições de destaque quando seus alvos preferidos surgem. Blade, inclusive, é membro dos Vingadores atualmente.

 

Nesse caso, é importante conversar com o seu narrador para evitar um nível de especialização que prejudique a utilidade do seu personagem em outras situações. Quão frequentes serão as aparições do inimigo jurado do seu caçador? Quão eficiente será seu caçador em outras situações? Tanto Blade quanto Elsa são extremamente fortes fisicamente e possuem grandes habilidades de combate, o que é útil em qualquer situação. Muitos monstros têm uma fraqueza especial contra forças que já são perigosas – Se você tem uma arma que dispara chamas para usar contra vampiros, ela continua sendo útil contra humanos, uma katana coberta de prata continua cortando tão bem quanto uma katana normal. Desde que suas habilidades não sejam úteis exclusivamente contra o tipo de monstro que você se dispôs a caçar, você deve conseguir integrar seu personagem ao grupo e manter a pegada de caçador de monstros.

A questão moral


Não enfrentes monstros sob pena de te tornares um deles. Se contemplas o abismo, a ti o abismo também contempla.”
– Friedrich Nietzsche

Caçar monstros é, no final das contas, matar. Frequentemente, é matar seres inteligentes de forma violenta. Até que ponto um caçador de monstros é melhor do que os monstros que caça? Até que ponto caçar monstros é justificável?

Não existe resposta fácil para essas perguntas. Afinal, vivemos em uma sociedade que considera a morte de meninas de 8 anos uma consequência aceitável da guerra contra as drogas. Porém, esse dilema surge em quase todas as histórias sobre caçadores de monstros, tornando-o quase que indissociável do conceito.

Como narrador, é seu papel determinar o quão fundo os jogadores estão dispostos a ir nessa questão. Verifique se eles estão confortáveis em explorar essas questões morais em vez de apenas enfrentar monstros. Caso eles não queiram explorar a moralidade, tornar os monstros criaturas completamente malignas e sem chances de redenção resolve a situação. Tome muito cuidado para não atravessar os limites dos jogadores. Como mencionamos antes, a moralidade do uso da violência é uma discussão complicada e fortemente relacionada com a nossa realidade. Uma pessoa que conviva com isso diariamente tem todo o direito de não querer lidar com isso na mesa de jogo.

Como jogador, sua primeira decisão deve ser se você quer ver seu caçador de monstros como um guerreiro honrado lutando por uma causa maior ou um fanático perigoso capaz de fazer qualquer coisa para conseguir seu objetivo. Já tivemos histórias muito interessantes acompanhando protagonistas nas duas pontas do espectro.

 
Caçadores de monstros em Savage Worlds

Existem algumas coisas para se manter em mente quando se cria um personagem caçador de monstros em Savage Worlds.
Conhecimento (ocultismo) é essencial, especialmente em um grupo misto. É para o caçador que o resto do grupo vai se voltar quando o sobrenatural surgir.

Código de Honra costuma ser a diferença entre um caçador e um fanático perigoso. Sem essa desvantagem, a diferença entre o caçador e as criaturas que caça muitas vezes é puramente semântica.

Voto (caçar monstros) é comum para caçadores que tenham um motivo pessoal para participar das caçadas.

Como mencionado anteriormente, tente manter seus poderes e armas úteis contra seu inimigo jurado, mas não os deixe inúteis contra outros inimigos.

Caçar monstros pode ser rápido, divertido e furioso!

Galeria de caçadores

Seja você um narrador prestes a começar uma campanha de caçadores de monstros ou um jogador prestes a espreitar sua presa nas mesas de jogo, seguem sugestões de obras sobre caçadores de monstros que podem servir de inspiração.

Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros (literatura/cinema).

Attack on Titan/Shingeki no Kyojin (anime/mangá).

Blade (quadrinhos, Marvel Comics).

Bloodborne (videogame).

Bloodrayne (videogame).

Brimstone (série de TV).

Buffy, a Caça-Vampiros (série de TV, quadrinhos).

Caça-Fantasmas (cinema).

Castlevania (videogame).

D. Gray Man (anime/mangá).

Demon Slayer/Kimetsu no Yaiba (anime/mangá).

Devil May Cry (videogame).

Dororo (anime/mangá).

Drácula (literatura).

Os Instrumentos Mortais (literatura/cinema).

Os Garotos Perdidos (cinema).

Grimm (série de TV).

Lollipop Chainsaw (videogame).

Supernatural (série de TV).

Teen Wolf (série de TV).

The Troll Hunter (cinema norueguês).

Vampire Hunter D (anime/mangá).

Vampire Princess Miyuu (anime/mangá).

Witch Hunter Robin (anime).

The Witcher (literatura/videogame).