Por Thiago Rosa

Hora de Aventura é um desenho para crianças que sempre conseguiu agradar os adultos. Boa parte desse sucesso que transcende gerações vem da construção de roteiro, que costura uma trama intrincada a partir dos psicodélicos episódios individuais. Outro elemento que certamente ajuda para fisgar a atenção dos mais velhos é o uso de referências de cultura pop.

O valor das referências

Atualmente, o uso de referências é tão constante na cultura pop que algumas pessoas o consideram um problema. Certas obras se interessam tanto em fazer referências a outras que acabam diminuindo a si próprias por tabela. Afinal, se essas obras anteriores são tão boas, por que você não as está assistindo em vez dessas novas? 

Acontece que referências são uma forma de gerar um sentimento de pertencimento e familiaridade com o público. A resposta afetiva de rever elementos que já conhece de outros carnavais aproxima o público da obra. Isso funciona especialmente bem com audiências periféricasーem Hora de Aventura, os adultos. Mesmo que os temas principais de uma obra talvez não sejam muito atrativos para essa parcela da audiência, inicialmente, as referências podem atraí-los e depois eles acabam fidelizados pela qualidade da obra por si só. Além de Hora de Aventura, outro exemplo bem-sucedido do uso de referências com esse propósito reside em Stranger Things.

O ciclo referencial

As referências de Hora de Aventura são tão integrais ao desenho que aparecem até mesmo antes dele se tornar uma série. No curta que serve de piloto para as aventuras de Finn e Jake, o menino humano se projeta mentalmente para Marte; qualquer semelhança com John Carter é expressamente proposital.

Uma das referências mais comuns em Hora de Aventura é Dungeons & Dragons. O próprio título da série é inspirado no logo de D&D durante sua terceira edição. Os capítulos “Batalha dos Magos” e “Dungeon” são repletos de referências diretas ao jogo, incluindo suas oito escolas de magia e vários monstros. A mais clara, porém, é em “Trem Masmorra”. Esse episódio coloca Finn e Jake numa masmorra repetitiva que fica dentro de um trem, sempre nos trilhos. É uma crítica bem clara à escola de design de aventuras que restringe as opções dos jogadores. 

Algumas dessas referências aparecem exclusivamente nos diálogos, o que torna um pouco difícil mantê-las na adaptação. Na segunda aparição de Marceline, por exemplo, ela chama Finn de “Castle Crasher”, o que tanto descrevia o que ele estava fazendo (invadindo um castelo) quanto fazia referência ao popular videogame beat’em up homônimo. Com a longevidade da animação, Hora de Aventura passou a ser alvo de tantas referências quanto faz, fechando o ciclo. Isso vai desde um personagem fantasiado de Finn em South Park até o rapper 6ix9ine usando o Reino Doce como plano de fundo para seu álbum “Day69”. Isso fecha o ciclo referencial; Hora de Aventura faz referência e também é alvo delas.

Usando referências nas suas campanhas

Uso de referências em obras de cultura pop em geral devem ser feitas com cuidado, devido aos riscos supracitados. Na sua própria mesa de jogo, a quantidade de cuidado envolvido depende imensamente do seu grupo e do tipo de jogo pelo qual vocês primam. 

No caso de grupos mais esporádicos com pessoas que não se conhecem muito bem, como jogos em eventos, referências podem ser muito poderosas; afinal, elas servem para trazer mais familiaridade. Porém, errar a mão em uma referência pode ter o efeito contrário. Se um jogador identificar uma referência como forçada ou fora de lugar, ele acaba perdendo a imersão no jogo. Em vez de se sentir na terra de Ooo, ele percebe que está numa mesa lançando dados. Esse é o exato oposto do objetivo de uma mesa de jogo.

Para muitos jogos, saber o tipo de referência que soa aceitável para os jogadores é muito difícil. Mesmo com um grupo costumeiro, cada um pode ter expectativas diferentes sobre o jogo ou mesmo sobre o uso de referências. Com a quase onipresença nelas nas mais diversas mídias, um jogador que estaria aberto a referências alguns anos atrás pode estar completamente de saco cheio delas atualmente.

Felizmente, Hora de Aventura tem chances muito menores de sofrer desse ricochete negativo que qualquer outro RPG. Conhecendo o grupo ou não, os jogadores muito provavelmente chegam em uma mesa de Hora de Aventura trazendo familiaridade com o desenho. E esse desenho já fez o trabalho de deixar essas pessoas alinhadas com referências. Desde que elas continuem na mesma linha das referências usadas no desenho (como as listadas anteriormente nesse artigo), provavelmente serão bem aceitas e realizarão seu papel de dividir a familiaridade do desenho animado com o RPG.

Um toque de sutileza

Sabendo o tipo de conteúdo que queremos nas nossas referências, é essencial atentar para o tom. Mesmo as referências mais óbvias de Hora de Aventura são sutis. A ideia não é fazer todo o trabalho para o público, mas sim dar elementos para que o público faça a conexão. 

O supracitado capítulo “Trem Masmorra”, por exemplo, contém referências que somente jogadores de RPG entendem. Para a maior parte do público, o trem com masmorras em cada vagão é apenas mais uma das viagens psicodélicas do desenho. Para um RPGista, é uma referência a uma estrutura narrativa que ele conhece (e provavelmente abomina).

Para que uma referência de Hora de Aventura funcione, ela precisa ser ligeiramente insólita, soar familiar e exigir um pouco dos jogadores.

Exemplos de referências para os seus jogos

Na Cidade do Oeste, os jogadores encontram um ciclope trajado de azul e amarelo. Ele tem um medo irracional da cor vermelha.