Por Gustavo Tenório

Falta pouco para o início do financiamento coletivo de Criaturas Terríveis – um bestiário do Mythos de Cthulhu, o mais novo lançamento para Rastro de Cthulhu. Para mostrar a flexibilidade do suplemento e como ele pode auxiliar os Guardiões na criação de adversários realmente desafiadores para seus investigadores, ou para dar um toque mais regional às suas aventuras, vamos apresentar a adaptação da Bruxa de Curitiba, lenda urbana famosa no sul do Brasil e que se tornou popular no final do século XIX e início do século XX.

Além de apresentar 15 criaturas publicadas anteriormente e adicionar 16 novos seres para Rastro de Cthulhu, Criaturas Terríveis traz, nas últimas páginas do suplemento, um guia de como adaptar novos seres ou incorporar elementos já existentes para a mitologia criada por H.P.Lovecraft. Essa é a proposta deste texto, onde recontaremos a lenda da Bruxa de Curitiba e encaixaremos sua macabra história no Mythos Brasileiro de Cthulhu.

A Lenda

Em novembro de 1877 teve início a imigração italiana no Paraná. 162 colonos chegaram no porto de Paranaguá, transportados no navio Colombo diretamente da região do Veneto, norte da Itália. Entre seus passageiros estavam mãe e filha, que deixaram seus nomes verdadeiros e sua história no Velho Mundo, para buscar uma vida nova, tentando esquecer a perseguição que sofriam.

Com os novos nomes, dona Lola e sua jovem filha Constantina, escondiam um segredo. Elas eram descendentes de uma antiga linhagem de bruxas italianas. Haviam sido descobertas em Vastagna, sua cidade natal, e tiveram de fugir para não serem apedrejadas. Em Curitiba foram instaladas no bairro Santa Felicidade e trabalhavam na lavoura.

Constantina queria se relacionar com os outros imigrantes, mas era lembrada por sua mãe de sua descendência e cobrada por sua falta de prática. Lola, como forma de educar a filha, lhe rogou uma maldição: “o castigo de uma bruxa que nega seu dom de nascença é ser moça jovem durante o dia e idosa ao cair na noite”.

Apesar de sua resistência, Constantina se mostrou uma boa aluna. Pegou um velho tomo de feitiçaria que sua mãe havia trazido da Itália e estudou com afinco. Em poucos meses aprendeu a se comunicar com os mortos, a ver o futuro e podia manipular a força vital das pessoas, podendo curar ou matar com leves toques de suas mãos. Vendo a evolução de sua filha, dona Lola levou a moça para o cemitério da cidade, onde pretendia, à meia-noite, fazer uma invocação para tirar alguns mortos de seus túmulos.

Sem que soubessem, Giacomo, um jovem imigrante que apresentava afeição por Constantina, viu as duas andando sorrateiramente pela praça da cidade e resolveu segui-las. Sem ser visto, acompanhou a dupla até o cemitério e, estarrecido, viu os mortos começando a se levantar das covas. Deu um grito e desmaiou.

Constantina ficou tão abalada com o ocorrido que largou a mãe, os mortos e Giacomo e correu para o mais longe que pode. Chegou a uma região com uma floresta (que no futuro viria a ser chamada de Campo Largo) e encontrou uma casa abandonada, onde entrou para descansar. Com medo de retornar e ser aprisionada, fixou residência no local. Soube, anos depois, que a mãe havia sido presa pela morte do rapaz e morreu louca na cadeia, por conta do abandono da filha.

Várias pessoas passavam pela floresta e Constantina sempre que podia ajudava os necessitados, utilizando o toque curativo de suas mãos ou vislumbrando o destino. Mas, o pouco uso de sua magia fez com que a maldição proferida por sua mãe fizesse efeito. De dia, Constantina era jovem e bela. Quando a noite caia, se transformava numa velha carrancuda.

A visão assombrosa assustava quem passava pela residência e para evitar que fosse denunciada, Constantina usava bruxaria para matar as testemunhas que apareciam a noite. Inicialmente, enterrava os corpos, mas, com o tempo e a falta de alimentos, passou a saborear a carne de suas vítimas.

Durante o dia, a bruxa, com a aparência jovem, mantinha sua aura de bondade e nada fazia com quem lhe pedia auxílio. Se fosse flagrada a noite, executava os presentes. Certo dia, um garoto foi em busca de Constantina para socorrer sua mãe. Quando chegou no casebre eram 18 horas e presenciou a transformação da moça em velha. Correu para a vila e contou o que aconteceu.

Os moradores, apavorados, foram até a floresta para matar a bruxa, que correu da casa e se escondeu num declive. Sua moradia foi incendiada e Constantina passou a assombrar o local, se escondendo de dia e matando quem passar pela floresta durante a noite.

Constantina, a bruxa de Curitiba

  • Habilidades: Atletismo 8/6 (dia/noite), Vitalidade 8/10 (dia/noite), Briga 8/6 (dia/noite), Armas  Brancas (unhas) 2
  • Limiar de Acerto: 4 / 3 (dia/noite)
  • Modificador de Prontidão: +0/+1 (dia/noite)
  • Modificador de Furtividade: +1
  • Ataques: +1 (unhas), -1 (Mordida)
  • Armadura: +0/+1 (dia/noite – pela ressequida)
  • Perda de Estabilidade: +0/+1 (dia/noite)

Poderes

  • Toque Vital – Gastando 2 pontos de Vitalidade, Constantina pode curar um alvo (humano ou animal) dando até 6 pontos de Vitalidade. Ou pode sugar a energia de uma vítima, recebendo 6 pontos de Vitalidade ou Atletismo por turno.
  • Janela da Alma – Gastando 1 ponto de Atletismo e olhando fixamente para o alvo, Constantina pode ver uma passagem do futuro.
  • Conversar com os Mortos – Gastando 3 pontos de Vitalidade, Constantina pode fazer cinco perguntas para um cadáver. O morto não dará respostas elaboradas, resumindo sua fala com palavras curtas como Sim e Não.
  • Reviver Defunto – Gastando 2 pontos de Vitalidade e 2 pontos de Atletismo, Constantina pode levantar da morte até 1d4 cadáveres, que obedecerão a comandos simples e ficarão de pé por 1 hora antes dela perder sua influência.

Investigações

  • Ocultismo – Um grupo wicca se estabeleceu em Curitiba e está tentando contato com uma bruxa ancestral, que elas insistem não ser uma lenda urbana. A feiticeira vive escondida numa floresta e só aparece a noite, para algumas pessoas escolhidas.
  • Trato Policial – A polícia investiga o desaparecimento de três pessoas, sempre de madrugada, numa mata em Campo Largo, perto de Curitiba. Os moradores do lugarejo começaram uma boataria sobre uma lenda urbana – a Bruxa de Curitiba, o que foi logo descartado pelos policiais, que acreditam em fuga após briga doméstica.
  • História Oral  – todos os anos, nos meses entre julho e setembro, quando fica mais frio a noite, a Bruxa de Curitiba leva mais gente pra viver com ela. Os mais velhos sempre dizem para os filhos e netos não sairem de casa a noite e, se não tiverem opção, nunca passarem por dentro da floresta.

Ecos Místicos

Mima Renard (São Paulo)
Mima Renard era uma francesa que veio pra o Brasil com seu marido, em 1692, fixando residência na Vila de São Paulo. Por conta de sua beleza, chamava a atenção dos homens da localidade, o que causou o assassinato de seu conjuge por um rival. O acusado, pretendia largar a família e tomá-la como esposa. Sem tem como se sustentar, Mima foi levada à prostituição.

As mulheres passaram a reclamar que ela enfeitiçava seus maridos e o padre local instaurou um tribunal do Santo Ofício, que terminou com sua condenação à morte na fogueira. Antes de morrer, ela amaldiçoou os presentes e disse que retornaria para pegar os maridos de todas. Anos mais tarde, algumas pessoas registraram a presença, nas vielas da cidade, de uma mulher muito bonita, seduzindo e convidando parceiros para passar a noite.

Isabel Pedrosa de Alvarenga (Santo Amaro, São Paulo)
Isabel era uma pobre mulher que vivia nas ruas da Vila de Santo Amaro, por volta de 1750. Com indicativo de problema mental, carregava um saco nas costas, contendo tufos de cabelo, bicos de pássaros, panos com sangue e umbigos de crianças. Foi acusada pela prática de bruxaria, com a alegação de que o conteúdo do saco era coletado para realização de magia negra. Condenada à morte, nunca confirmou que era bruxa. Não há registros de sua execução e logo depois de seu desaparecimento, uma senhora, de cabelos negros e ralos, com um saco de estopa velho, passou a circular pela localidade, assustando os adultos e sequestrando crianças