Usando elementos de horror em seus jogos de Hora de Aventura

Pode parecer estranho relacionar horror com um desenho que tem classificação indicativa de 12 anos. Assistindo Hora de Aventura, porém, podemos perceber o uso constante de elementos típicos de histórias de horror e terror. Eles vão desde os óbvios, como criaturas monstruosas e referências aos mitos de Lovecraft, aos mais sutis, como o questionamento existencial e a inevitabilidade da morte. Um desenho que apresenta a humanidade como zumbis radioativos pode facilmente ser pesado, triste e assustador, não?

Absurdo como defesa

A palavra chave aqui é “pode”. Embora certamente fosse possível usar a abordagem de Hora de Aventura para histórias de horror clássico, não foi esse o caminho tomado pelo desenho e exatamente por isso, também não é o caminho sugerido pelo RPG.

Para permitir o uso de elementos tão assustadores como os medos adultos que são esporadicamente abordados em Hora de Aventura, os autores usam o colorido e o absurdo que são tão característicos do mundo de Ooo para suavizar o impacto (se não, a estranheza) dos temas e criaturas apresentados.

Um bom exemplo de como a remoção desses elementos pode ser perturbador aparece na arte de Dan LuVisi. Ele reimagina cultura pop de formas assustadoras. Uma de suas obras mais famosas é uma visão de Finn que trata o estilo visual de Hora de Aventura por um viés mais realista, além de incluir sangue. Se não assustador, o resultado é no mínimo, inquietante.

 

Horror x Terror

Diante da sugestão da omissão de elementos de terror em jogos de Hora de Aventura, não seria ilógico levantar um questionamento. Afinal, os personagens do desenho não ficam apavorados de tempos em tempos?

O medo que Finn tem do oceano é um bom exemplo de como essa situação é abordada no desenho. Embora o medo seja tratado de forma séria entre os personagens, o fato do herói estar tão apavorado é suavizado pelo absurdo de sua expressão e com a tranquilidade com que Jake lida com a situação. O tema recorrente das situações de horror no desenho não é de assustar a audiência. Embora os personagens possam estar assustados (apavorados, até), a reação esperada da audiência é de risada, surpresa ou ligeira inquietação – mas não de medo.

Devendra Varma, estudioso do gótico e do macabro, diferencia horror de terror. Ele definiu terror como o sentimento de medo e expectativa que precede a experiência horrível. Horror, por sua vez, é o sentimento de repulsa que geralmente ocorre depois que algo assustador é visto, ouvido ou experimentado. Dessa forma, mesmo que os personagens estejam em situações do mais intenso terror, a audiência no máximo é exposta a um leve horror (na maioria das vezes, nem isso).

Nada é mais assustador

Deixar descrições em aberto e permitir que os jogadores preencham as lacunas atinge o requisito de mantê-los no estado de horror. Acontece que, para jogos de Hora de Aventura, isso não é o bastante. Casos em que os jogadores fiquem até mesmo inquietados por situações de horror devem ser raros, anunciados com antecedência e devem contar com o consentimento de todos os envolvidos.

A mente humana pode preencher o vazio das descrições de forma assustadora. A expectativa do que espreita no desconhecido, por si só, pode ser assustadora. É nesse momento que é importante para o mestre lembrar-se da forma como os elementos de horror são utilizados no desenho. Lembre-se, é através do absurdo e do humor que as coisas mais assustadoras se tornam risíveis. Então, um monstro cheio de tentáculos pode ser rosa-choque com bolinhas laranjas. Um fantasma pode oferecer jujubas coloridas e falar com um forte sotaque mineiro. Cada elemento assustador precisa de um contraponto engraçado que possa suavizá-lo. Se isso não for ocorrer, planeje adiante, lembre-se de ter o consentimento de todos os jogadores (ou de seus responsáveis, se forem crianças) e siga em frente. Um bom susto pode ser bastante divertido.

Tristeza existencial

Se um adulto desavisado assiste alguns dos capítulos sobre o passado do Rei Gelado, ele pode acabar triste de verdade. O que, para as crianças pode parecer uma justificativa para que Finn e Jake não peguem tão pesado assim com um vilão recorrente, acaba parecendo para um adulto, com uma história sobre sacrifício, senilidade e a inevitabilidade da morte.

Medos adultos e questões filosóficas como essa são tão emblemáticas de Hora de Aventura quanto doces, espadas e princesas. Embora elas surjam como consequência das histórias e sejam frequentemente sutis, elas permeiam todas as ações dos personagens em Ooo.

Abordar esse tipo de situação, curiosamente, não exige grande esforço do mestre. Bastar seguir as indicações presentes no livro de regras e jogar com os adultos. Dê tempo para seus jogadores e eles vão começar a questionar, sozinhos, tudo o que compõe o cenário das formas mais deprimentes possíveis. Como mencionamos antes, a mente humana preenche o vazio.

Se alguma situação dessas deixar algum jogador para baixo, tente mudar o clima com uma situação engraçada e absurda. Ataques de homens-fruta incompetentes vestidos de ninja pode funcionar bem. Um pouco de contemplação pode ser interessante, mas passar tempo demais nisso esvazia o jogo de seu dinamismo e animação.

Conclusão

Tanto o desenho, quanto o RPG de Hora de Aventura contam com elementos de horror e terror. Porém, o desenho conta com todo um aparato visual que o RPG não consegue reproduzir. Utilizar esses elementos da mesma forma que aparecem no desenho requer sensibilidade, cuidado e atenção.