Ganchos: Confederados em Deadlands
Por Eder Marques
Quando eu era moleque eu ouvia incessantemente uma banda chamada Pantera; pra quem não conhece, é uma banda de Thrash Metal do Texas que tinha entre seus integrantes o emblemático guitarrista Dimebag Darrell. Ele tinha uma guitarra que à época eu achava maneirissíma: era uma guitarra com a bandeira da armada confederada. Na época, por mais controverso, eu considerada aquilo legal, ajudava a compor aquela imagem de mal, de agressivo e sujo. Mas como sou grato ao tempo e a maturidade que ele me trouxe, hoje eu sei que aquilo é simplesmente tosco e sei que a dita bandeira virou o símbolo de uma retórica essencialmente racista, sem atenuantes históricos que possam mudar isso.
Quando eu era moleque eu ouvia incessantemente uma banda chamada Pantera; pra quem não conhece, é uma banda de Thrash Metal do Texas que tinha entre seus integrantes o emblemático guitarrista Dimebag Darrell. Ele tinha uma guitarra que à época eu achava maneirissíma: era uma guitarra com a bandeira da armada confederada. Na época, por mais controverso, eu considerada aquilo legal, ajudava a compor aquela imagem de mal, de agressivo e sujo. Mas como sou grato ao tempo e a maturidade que ele me trouxe, hoje eu sei que aquilo é simplesmente tosco e sei que a dita bandeira virou o símbolo de uma retórica essencialmente racista, sem atenuantes históricos que possam mudar isso.
O tempo e a maturidade fizeram-me entender isso, e eu estou contando essa história, pois acho que o tempo e a maturidade também tiveram um papel fundamental na decisão da Pinnacle, mais particularmente do autor Shane Lacy Hensley, em retirar os Confederados do Deadlands nas edições futuras, uma decisão editorial das mais acertadas que eu já vi.
Neste texto, que eu confesso foi bem indigesto de escrever, eu vou abordar esse assunto dando um contexto histórico de quem foram os Confederados, seu papel na história e nos EUA de hoje e um pouco sobre eles dentro do Deadlands.
Contexto Histórico dos Confederados
Primeiro, eu acho relevante contextualizar historicamente quem foram os Confederados; que fique claro não pretendo fazer disso uma aula de história, a proposta aqui não é essa, então vou resumir bastante.
Com a eleição de Abraham Lincoln e sua plataforma abolicionista, vários estados do sul dos EUA se “rebelaram” e fundaram uma nova nação, os Estados Confederados da América, que em linhas gerais tinha como objetivo manter a escravidão e a posse de escravos. Os Confederados eventualmente entraram em guerra com o resto dos EUA, ou a União, e nas palavras do próprio Lincoln, o país era uma casa dividida.
Este período histórico ficou conhecido como a Guerra Civil Americana, e durou cerca de 4 anos, tendo terminado com a derrota e rendição dos Confederados e a reintegração do país. Um dos eventos marcantes do conflito foi o assassinato do Presidente Lincoln por um simpatizante dos Confederados.
Seria reducionista e um desserviço pensar na União como os “bons moços” dentro dessa história: o exército da União, que lutava por uma causa abolicionista, era o mesmo que lutou nas chamadas Guerra Indígenas, um verdadeiro genocídio. Da mesma forma que não podemos dizer que todos os sulistas eram essencialmente racistas.
Pós-Guerra e Retórica Sulista
É difícil se reconciliar e “superar” certos eventos históricos sem entrar no mérito, mas temos alguns exemplos claros no próprio Brasil.
Com os EUA não foi diferente. Como superar um evento trágico que ceifou milhares de vidas, inclusive a de um Presidente? Até hoje os EUA sofrem alguns dos efeitos dessa guerra. Alguns estados Confederados ainda hoje ostentam partes da bandeira da armada confederada em suas bandeiras, a KKK (Ku Klux Klan), um movimento racista surgido no contexto do pós-guerra, ainda tem bastante força e volta e meia vemos situações como a de Charlotesville, (acima) onde um grupo organizado de supremacistas ostentando a bandeira confederada (e também suásticas) marchou livremente defendendo sua “plataforma”. Da mesma maneira que é impossível dissociar a suástica da retórica nazista que a acompanha, hoje é praticamente impossível dissociar o conceito dos Confederados de um discurso racista, já que estes grupos se apropriaram deste símbolo e o usam como base de seu discurso.
Confederados em Deadlands
Se você está lendo este texto, eu assumo que você já conheça Deadlands, o RPG no Oeste Estranho que é considerado por muitos, eu entre eles, um dos melhores cenários de Velho Oeste já criados. Eu poderia me estender e falar tudo que eu acho do jogo, o que acho legal e o que acho ruim do cenário, mas sinceramente não sei se esse é o foco do texto. De toda forma vai aqui uma história sobre a criação do Deadlands.
Deadlands tem sua origem em uma epifania criativa do Shane Hensley ao se deparar com a capa de um suplemento chamado Necropolis Atlanta para Wraith: The Oblivion feita pelo artista Brom (essa aí do lado). A capa retratava um soldado confederado com um ar de morto-vivo, e o resto é história. Com essa ideia ele então criou um jogo de horror com elementos de filmes de faroeste clássicos como “Outlaw Josey Wales”, que se tornou um grande sucesso.
Os Confederados sempre tiveram um papel importante dentro do jogo desde a sua concepção, eles estavam lá como um elemento gerador de conflito constante. Vale ressaltar que o autor fez todo um esforço para atenuar as questões com os Confederados, tirando de jogo a questão da retórica escravagista.
Mas aí fica a pergunta: isso funcionou?
Deadlands e os Confederados no mundo de hoje.
Eu acho que isso poderia funcionar, e funcionava, há alguns anos em que uma boa parcela de nossa sociedade não estava consciente do quanto isso é nocivo. Mesmo que atenuado, hoje não funciona mais.
A gente tem exemplos bem práticos de como essa retórica pode causar estragos, e mesmo do ponto de vista da mitologia do Deadlands, existem diversos outros atores e elementos que podem desempenhar esse papel de gerar um conflito permanente. Citarei alguns:
- Os Algozes, que são basicamente deuses malignos que incorporaram as figuras dos quatro cavaleiros do apocalipse para incutir medo na humanidade. Existem inclusive campanhas longas baseadas em cada um deles.
- A Grande Guerra das Ferrovias. Mesmo após o fim da Guerra Civil, instaurou-se um conflito de similar proporção com a descoberta da Rocha Fantasma, um combustível com as mais diversas aplicações. Agora os Grandes Barões das Ferrovias rumam para a construção de uma via transcontinental com trilhos, aço e sangue.
- O próprio Oeste, sua natureza inclemente, ambientes aonde a sociedade não chega, lugares inóspitos. Tomemos como exemplo um conflito historio real: a disputa entre os Hatfields e os Mccoys era basicamente uma briga entre famílias que se tornou uma mini guerra.
Estes são só alguns exemplos de como no fim das contas, os confederados não farão tanta falta assim. Confesso que os Confederados sempre me desagradaram em Deadlands, e que a decisão de tirá-los do jogo me deixou bastante contente. Como eu falei acima, acho que tal decisão é fruto de uma maturidade que veio com o tempo, e o texto em que o Shane explica os motivos da mudança reforça bastante isso.
Claro que as más línguas dirão que essa é uma decisão da “ditadura do politicamente correto”, que estão varrendo a história para debaixo do tapete e blá, blá, blá. Eu costumo dizer que não existe esse tal de politicamente correto, existe o correto e ponto final. Criar um jogo que não perpetua uma política de segregação pra mim é claramente algo correto.
Ótimo texto. Mais um elemento tentador para apoiar o financiamento e olha que nem jogo Savage Worlds (mesmo o tendo e alguns suplementos de cenário). Maldito seja, talvez eu jogue um dia.