Por Fábio Medeiros
A série Paper Girls acompanha um grupo de meninas de 12 anos que entregam jornais numa aventura em ritmo acelerado através do tempo. Elas passam por situações em que encontram familiares e elas mesmas em diferentes épocas. Existem alguns pontos dessa viagem no tempo que fecham opções, ou seja, elas não viajam para qualquer lugar ou tempo. Isto auxilia a dar um direcionamento para a história: ao viajar elas sempre ficam no mesmo lugar físico, o local é o mesmo. A viagem ocorre no mesmo “endereço” alterando apenas o momento em que elas surgem.
Outra característica da viagem no tempo em Paper Girls que fornece bastante controle narrativo é um efeito iniciador que precisa ocorrer para as viagens serem realizadas. No seriado é uma espécie de tempestade temporal. Isso auxilia a pensar em como a história pode progredir, e exige um tempo para as personagens conviverem e ficarem aonde chegaram. Nos primeiros contatos com a viagem as heroínas não têm controle sobre o ponto de chegada. Aprender como isso funciona e com o podem controlar, é parte do objetivo da trama.
FUTURO EM GUERRA
Outra característica bem interessante do seriado é que às viagens estão ocorrendo no meio de uma  guerra no futuro. Viajantes no tempo tentam alterar alguns eventos enquanto um outro grupo tenta impedir. Na história as meninas se meteram no meio dessa luta, e entender os interesses, motivações e comportamento dos dois lados vai apresentando para elas o cenário maior, e as ajudando a tomar decisões sobre o que fazer e para onde ir. Trazer inspirações dessa série para a sua mesa de Savage Worlds pode ser bem divertido.
Savage Worlds é uma excelente escolha para jogar uma versão RPG de Paper Girls devido ao ritmo rápido de jogo e por possuir regras para diferentes tecnologias. As regras para personagens crianças vão ajudar a ter resultados positivos mesmo em situações que as meninas não saibam exatamente o que estão fazendo. A ideia de uma personagem conversar e interagir com uma outra versão dela mesma é algo que pode gerar bons momentos no jogo. Ir e vir no tempo pode gerar medo para o narrador, a preocupação em não provocar inconsistências, principalmente num jogo como o RPG, em que os desfechos não estão escritos previamente. Mas a série Paper Girls trouxe algumas ferramentas que limitam o escopo da viagem no tempo, predefinindo os momentos em que ocorrem tanto a origem quanto o destino.
COMPLICAÇÕES
Fazer com que as personagens, no começo da história, não tenham controle sobre a viagem é uma solução interessante para um RPG com viagem no tempo. Desta forma o tema é apresentado para os jogadores, ao mesmo tempo em que o desafio de tomar as rédeas e aprender a controlar já é lançado. Desta forma os jogadores percebem um propósito para as decisões de suas personagens, e a medida que compreendem o que está acontecendo, recebem recursos e ganham controle sobre o destino das viagens no tempo, e assim vão sentindo agência e concluindo seus objetivos.
Mesmo após as personagens entenderem como funciona a viagem, ainda assim estão limitadas a escolher entre pontos demarcados, locais físicos e momentos no tempo que estão predefinidos. É sempre importante lembrar que a responsabilidade pela construção de uma história divertida e interessante é de todos, e se os jogadores definirem caminhos não previstos isso não é um problema. A história estará sendo construída de maneira compartilhada, da maneira que deveria num RPG.
DESCOBERTAS
A tecnologia existente em cada época no cenário de Paper Girls é uma boa ferramenta para os jogos de RPG. Equipamentos que os jogadores levam ou encontram numa viagem específica ajudam a revelar aspectos da trama e a solucionar os problemas encontrados. Aumentam a preocupação em serem expostos os segredos. Imagina o grupo guardar um material do passado em algum lugar para que elas no futuro possam acessar. As tecnologias utilizadas revelam muito do caminho que a história irá tomar. Encontrar o rifle de energia de um soldado viajante no tempo, ou a sucata de um mecha escondido no silo de uma fazenda, pode indicar o que é esperado dos próximos trechos da história, ou quais são as ações que o grupo pode tomar. A escolha do grupo de heroínas, quatro meninas de 12 anos da década de 1980, também é uma decisão importantíssima. Nessa história os heróis não são engenheiros especialistas, soldados ou espiões infiltrados. São crianças que precisam se virar com as poucas informações que tem e encontram no caminho. Às vezes precisam da ajuda de pessoas mais velhas (talvez delas mesmas), mas ainda assim são elas que continuarão o caminho. Os outros que participam das viagens acabam morrendo ou esquecendo o que está acontecendo no mundo.
As meninas estão sozinhas em carregar a responsabilidade e manter a memória sobre suas descobertas. A luta delas é muito maior do que imaginavam no início da história, mas ainda assim precisa ser coordenada com as questões pessoais e familiares. Uma avó que precisa de cuidados; segredos escondidos dos pais; um relacionamento disfuncional com o irmão; tudo isso se mantém na memória também, e as soluções desses dramas são mais importantes que a própria definição da guerra sendo travada pelo tempo.
CONCEITOS
Percebe-se então que existem algumas características que definem o estilo da história retratada em Paper Girls, e que ao ser traduzidos em princípios podem aparecer numa aventura de RPG assim:
(1) Boas doses de ação e perigo;
(2) Viagens no tempo com resultados inesperados;
(3) Evolução das personagens em níveis pessoais e nas suas relações;
(4) Evolução da narrativa e aumento gradual das informações sobre o cenário;
(5) Utilização de tecnologias estranhas;
(6) Reencontros com lugares e pessoas, apesar de algumas diferenças desconcertantes.

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