Adaptando: Titãs
Por Gustavo Tenório
Produzida pela DC Entertainment e disponibilizada em janeiro para a audiência mundial por meio do serviço de streaming Netflix, a série em live action Titãs se tornou um sucesso de público – foi o segundo programa mais assistido na plataforma. O seriado, que conta com 11 episódios de 45 minutos, apresenta a história de Robin, Ravena, Estelar e Mutano no embrião do que será o supergrupo Titãs.
Parte do sucesso de Titãs vem da utilização de elementos conhecidos (mesmo quem nunca leu uma história em quadrinhos na vida sabe quem é Robin), da abordagem mais séria e violenta (presentes em seriados de sucesso como Demolidor e Justiceiro) e do roteiro afiado, apresentando os personagens para os novatos e incluindo pitadas e fanservices para quem acompanha as aventuras do grupo.
Mais que uma adaptação, a ideia deste artigo é falar dos personagens, mostrar como aplicá-los em aventuras de RPG e extrapolar o que é apresentado na televisão, sugerindo vilões e indicando como incluir os grandes arcos do grupo numa campanha. Titãs foi um dos primeiros grupos de sidekicks (parceiros de heróis) a tratar em suas tramas de abuso infantil, igualdade sexual, combate ao uso de drogas e empoderamento feminino.
Quem são os Titãs – no seriado
O seriado apresenta Dick Grayson (Robin), Rachel Roth (Ravena), Kory Anders (Estelar) e Gar Logan (Mutano). Outros heróis recebem destaque, mas não fazem parte da equipe, como Hank Hall (Rapina), Down Granger (Columba), Jason Todd (Robin II) e Donna Troy (Moça-maravilha), além dos integrantes da Patrulha do Destino (que apareceram em um episódio especial e um dos mais divertidos da temporada).
Na trama, uma jovem Ravena descobre seus poderes e começa a ser perseguida por um culto profano que pretende trazer seu pai, Trigon, para nossa dimensão. Ela pede ajuda a Dick Grayson e a dupla, involuntariamente, encontra com uma desmemoriada Kory Anders e com um bem intencionado Gar Logan. A fuga do quarteto para garantir a integridade de Ravena e o início da formação dos Titãs são a tônica da primeira temporada.
Acessível e bem produzido, mesmo com orçamento limitado, Titãs é uma aposta importante da DC Entertainment na expansão de seu patrimônio para outras mídias, além das histórias em quadrinhos. O seriado foi renovado para uma segunda temporada, que deve ser gravada durante o primeiro semestre e exibida em outubro de 2019.
Titãs – como utilizar algumas ideias da primeira temporada e quadrinhos
O seriado Titãs é uma excelente fonte de ideias. As histórias de Robin, Ravena, Estelar e Mutano são inspiradas nas HQs produzidas por Marv Wolfman e George Perez nos anos 1980 e 1990 para a DC Comics, e a ideia deste artigo é auxiliar em como fazer uma nova transposição, desta vez, para seu rpg de preferência.
Savage Worlds, por ser um sistema genérico, tem um encaixe mais adequado à proposta da série. Com o Compêndio de Superpoderes embaixo do braço, é possível recriar qualquer poder especial, bastando aos mestres adaptar a trama central do seriado para uma campanha prolongada, que pode ser pensada em episódios. Além disso, os combates são rápidos e violentos, seguindo a linha presente em Titãs.
Personagens desmemoriados – em sua primeira aparição em Titãs, Estelar não se lembra de quem é ou o que está fazendo. Ela sobrevive a uma batida de carro (que pode ser o causador da perda de memória) e passa boa parte da primeira temporada tentando descobrir sua origem. Um jogador pode assumir o interessante desafio de incorporar um personagem que não se recorda de seu passado.
A verdadeira história pode ser construída com o Mestre e surgir em flashbacks ou o personagem pode ser uma completa folha em branco, estimulando uma criação compartilhada de quem ele possa ter sido no passado. As duas situações devem possibilitar ganchos para interlúdios entre as aventuras ou o surgimento de missões secundárias, fazendo com que os jogadores se envolvam na descoberta – assim como aconteceu no seriado.
Heróis reticentes – Uma trama que permeia toda a primeira temporada de Titãs é o fato de nenhum deles se ver como heróis. Mesmo Robin, que tem experiência de campo, renega seu uniforme e a todo momento diz aos outros personagens que não pretende liderar ninguém ou formar um grupo. Para resistir à seita de Trigon, o “menino-prodígio” tem que mudar de comportamento e adotar uma nova postura, tentando proteger Ravena, Mutano e Estelar.
Numa mesa de jogo, o mestre pode aproveitar essa temática e testar o grau de fidelidade do grupo. Até que ponto todos estão comprometidos com a segurança dos parceiros? Quem seria capaz de “perder a vida” para garantir que um aliado permanecesse vivo? Mais do que se jogar na frente do perigo de forma inconsequente, os jogadores devem estabelecer laços de comprometimento entre seus pares.
Empoderamento feminino – Titãs é repleto de mulheres fortes – em temperamento e poderes. Ravena, Estelar e Moça Maravilha causam muito mais estrago e são mais decididas que Robin, Mutano e Rapina. Mestres e jogadores podem utilizar esse exemplo para dar mais espaço para as jogadoras do grupo. Se, numa situação convencional, os homens tomam a iniciativa e decidem o que deve ser feito, é hora de inverter e deixar as mulheres escolherem e ditarem as regras das missões.
Em várias passagens do seriado, Estelar assume o comando e protege Ravena e Mutano contra as ameaças que surgem. Escolher, durante a criação do personagem, características que auxiliem na interpretação adequada da personalidade de cada um dos integrantes do grupo fará a diferença e facilitará o trabalho do mestre na hora de equilibrar o protagonismo dos jogadores.
Personagens com deficiência física – um dos heróis que fizeram parte dos Titãs nos quadrinhos é deficiente físico. Joseph Wilson, o Jericó, é mudo. Filho do vilão Exterminador, teve a garganta cortada por terroristas e, para se comunicar, aprendeu a falar por linguagem de sinais. Há uma expectativa de que o personagem apareça nas próximas temporadas do seriado.
Neste caso, vale um desafio. Mestres e jogadores deveriam experimentar uma imersão total neste caso. Além de estimular a interpretação de personagens com deficiência, seria muito interessante ver a “incorporação” das limitações que esses heróis apresentam em jogo. Para ficar mais claro, heróis surdos ou mudos só poderiam se comunicar por meio de sinais, protagonistas cegos deveriam estar com vendas na mesa de jogo como forma de gerar uma experiência diferente e marcante.
Personagem traidor – um dos arcos mais marcantes da história dos Titãs é Contrato de Judas, quando Terra, recém integrada ao grupo, se mostra uma infiltrada do vilão Exterminador, com o objetivo de saber as identidades e rotinas dos heróis. A surpresa da revelação deixou todos atônitos e rendeu desdobramentos por várias histórias.
O estabelecimento de um traidor no grupo deve ser um segredo guardado a sete chaves. Mestre e jogador que fará o vilão infiltrado não poderão dar pistas diretas do que está acontecendo, sob pena de estragar o mistério. O ideal é que a revelação só aconteça depois de alguns meses de integração do grupo, justamente para dar o impacto necessário a traição.
Depois de revelada a traição, o personagem escolhido se tornará um npc, recorrente ou não. O mestre pode, ainda sob o efeito da surpresa, deixar o jogador atuar por mais algumas sessões , mas é indicado que seja elaborado um novo herói para fazer parte do grupo.
Realidades alternativas – durante o arco de histórias A Saga de Trigon, o vilão utiliza seus poderes para criar realidades alternativas e fazer com que os membros dos Titãs pratiquem atos violentos, assumindo assim seu lado negro. Em um dos capítulos do seriado isso acontece também, com um resultado sensacional.
Para variar o ritmo da aventura, ou para criar novos elementos de desafio, o mestre pode iniciar uma sessão como uma realidade alternativa. Se quiser causar estranheza, não deverá comunicar os jogadores, mas, se entender que cabe na campanha, pode informá-los e ver como eles vão reagir a esse reflexo sombrio da Terra.
Vilões desafiadores – embora a primeira temporada de Titãs fique devendo nesse ponto, as HQs do grupo estão repletas de adversários que exigem muito dos heróis. Bons exemplos são Irmão Sangue, que utiliza da religião para criar uma legião de seguidores fanáticos; Exterminador, um mercenário com sentidos ampliados que tem como missão capturar os personagens; Quinteto Mortal, composto por vilões com poderes compatíveis aos dos Titãs; e o próprio Trigon, que apresentou uma “palhinha” de seu poder de alterar a realidade no último episódio da temporada.
Titãs – como utilizar algumas ideias da primeira temporada em Rastro de Cthulhu
A transposição dos Titãs para Rastro de Cthulhu envolve um divertido desafio. A série, apesar de seus elementos super-heroicos, tem uma pegada de horror cósmico, principalmente com a presença de Trigon e seu culto maligno. Ravena, com a descoberta de seus poderes sobrenaturais e Estelar e sua origem alienígena, também são bons ganchos para uma campanha.
O primeiro ponto que deve ser considerado é converter os personagens para os anos 1930, década base de Rastro de Cthulhu. Robin deixa de ser um herói fantasiado para se tornar Dick Grayson, investigador de casos suspeitos. Ele pode ser um personagem jogável ou recrutar os presentes para auxiliá-lo nas apurações. Seus contatos com a Polícia ajudarão bastante e ter um Mentor rico (Crédito 7 ou mais) vai possibilitar a aquisição de veículos e equipamentos que nenhum outro cidadão poderá ter.
Mutano deixa de ser o super-herói que assume a forma de qualquer animal para se transformar em Gar Logan, o único sobrevivente da grave doença Sakutia. Em um tratamento experimental, seus pais autorizaram que ele recebesse transfusão de sangue de vários animais, o que salvou de fato sua vida, mas deixou sequelas que ainda são um segredo. Com sucesso em rolamentos de Vitalidade, Gar pode se transformar em qualquer animal doméstico ou selvagem.
Estelar não é mais a nativa de Tamaran que chega à Terra para capturar Ravena. Kory Anders é uma criação dos Mi-Go que assume vontade própria, adota forma humana (mas no processo perde a memória) e se recorda apenas de parte de sua missão prioritária – encontrar a jovem filha de Trigon. Seus poderes de fogo, na verdade, são fruto de experiências genéticas.
Por fim, Ravena. A jovem com poderes sobrenaturais, perseguida pelo culto de Trigon, assume a identidade de Rachel Roth, que descobre, após a morte de sua mãe adotiva, a ligação com entidades cósmicas. Esse contato resulta na obtenção de alguns poderes, como por exemplo a magia Franzir (Rastro de Cthulhu, página 118). O suplemento Magia Bruta pode ajudar bastante na definição dos encantamentos que podem ser conjurados.
Sem controle destes poderes, perseguida por membros de um culto misterioso, e buscando sua verdadeira origem, ela contrata os serviços de Dick Grayson. Se forem personagens jogáveis, Gar Logan e Kory Anders se juntam ao grupo de acordo com a definição do Guardião. Ou, se forem coadjuvantes, aparecem durante a investigação do Culto de Trigon.
Trigon faz parte dos Mitos de Cthulhu. Pode ser um deus ancestral novo, a representação de Nyarlathotep (em uma de suas mil faces) ou outro Antigo, com nome modificado por fanáticos que não souberam fazer a conjuração certa. O que importa é que ele é muito poderoso e quer assumir uma forma física na Terra.
Inevitavelmente os investigadores, sejam eles os Titãs, ou estejam ajudando os personagens, vão encontrar o Culto de Trigon. O cultistas são adversários notáveis. Fazendo uso de um líquido misterioso – o sangue de Trigon, compartilham uma espécie de mente coletiva. Cada um deles passa a ter aumento na vitalidade e sabe exatamente o que se passa com os outros indivíduos.
Caso os personagens sejam capturados e encontrem com Trigon, mesmo em sua forma humana, precisam passar por um teste de estabilidade, para resistir ao poder de alterar a realidade que a entidade possui. Em caso de fracasso, o Guardião pode iniciar uma aventura nessa Dimensão Paralela, um reflexo sombrio e mais violento de nossa Terra.
Derrotar Trigon envolve acabar com o culto profano e eliminar sua forma física.
E você, como usaria o Titãs em sua mesa?
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