Por João Pedro Spagnolo

A fazenda Greene, a prisão, Woodbury, zonas militarizadas, porções de cidade a pequenos assentamentos, ao se deparar com o apocalipse zumbi não faltam exemplos de como o Ser Humano busca encontrar seu cantinho de paz em meio ao caos.

Em um RPG não seria diferente, pode ser que em algum momento, os jogadores se deparem com a possibilidade de se tornarem pequenos líderes locais, administrando recursos e mão-de-obra na construção de algo realmente seu dentro de um mundo cercado de perigos.

Em Terra Devastada isso é uma opção muito viável e de fácil implementação no jogo, ao se administrar sessões mais longas, os jogadores irão necessitar de um local para descansar e se preparar para suas aventuras – e nada melhor do que um local que reflita a face do grupo.

Para isso ser realidade o narrador só precisa de uma ficha de personagem a mais, esta, será usada como a ficha do assentamento, representando todo o coletivo de pessoas que vivem em comunidade, as regras serão as mesmas, somente os objetivos que serão levemente adaptados para ficha, vamos por partes:

1.Nome

Aqui será o nome da comunidade, temos os exemplos citados acima retirados de The Walking Dead, bem como qualquer coisa que os jogadores possam imaginar, nome do prédio em que é construído ou do bairro (Sanctuary ou Tempenny Tower da série Fallout são bons exemplos), podemos dar o nome do local em sua época pré-apocalítica como “O Hospital” ou “A Prefeitura”, como também pode ser dado o nome de algum dos jogadores.

2. Características

Essa é a melhor parte da adaptação, as características aqui serão reflexos da comunidade em estrutura e em organização política, ou seja, aqui serão listadas a quantidade de sobreviventes que habitam o local, as construções que podem trazer vantagens ou desvantagens dependendo da situação, por exemplo, um assentamento com horta, animais domésticos e um poço de água potável não tem que se preocupar tanto em buscar comidas, entretanto, será um alvo muito valioso para um grupo desesperado de saqueadores, que lutarão até a morte para conquistar o local.

Outra questão a ser levada em conta, um assentamento com uma vasta quantidade de construções (um bar para manter as pessoas felizes, enfermaria, um barracão de ferramentas, hortas, uma rádio para buscar mais sobreviventes, comércio interno, etc.) e grande população deverá se preocupar com a segurança do perímetro, uma vez que quanto mais pessoas em um local, maior a atenção que atrairão dos mortos-vivos.

Resumindo, aqui irão todas as estruturas relevantes para a colônia: “possui muralhas de entulho”, “água potável”, “esgoto funcional”, “geradores para energia elétrica”, “cemitério”, entre outras citadas e imagináveis.

Ainda, falta ser explicada a tal “organização política”, uma colônia irá interagir com o mundo e consigo mesma de acordo com o perfil de seus habitantes, vamos lá, uma colônia composta por pessoas comuns tentando levar uma vida normal provavelmente valorará a democracia, e líderes autoritários ou tiranos podem não ser bem vistos pelo seu povo, já uma colônia composta por saqueadores provavelmente respeitará somente a força bruta, havendo disputas pelo poder em uma organização bem tribal, tudo depende de quem o jogador interpreta e de quem ele quer em sua sociedade.

3. Condições

Parecidas com as Características, aqui estão acontecimentos temporários que influenciam de certa forma na colônia, o narrador deverá ficar atento a esse aspecto pois é onde estão as maiores possibilidades de interação das protagonistas com sua colônia.

Talvez um surto de gripe possa ter atingido a população, ou a escassez de recursos faz com que haja um êxodo ou uma briga pelo poder. Nas Condições estão os reflexos das ações ou omissões das protagonistas que irão abrir possibilidades de desdobramentos ou influenciarão em futuras ações.

Vamos exemplificar: Os jogadores são vistos como os líderes do assentamento que ajudaram a edificar em um shopping center, a quantidade de zumbis que cercam o local cresce cada vez mais, chegando aos milhares, as pessoas sentem medo que possam romper as portas de segurança a qualquer minuto – por isso adicione “com medo” a lista de condições.- Um outro sobrevivente (talvez um antagonista) percebe a situação e decide que o grupo teria mais chances se tentassem obter os ônibus que estão na garagem do shopping e, em um ímpeto de sobrevivência, atravessassem a horda de mortos-vivos chegando ao cais onde o mesmo possui um barco que poderia leva-los para outro local. Os sobreviventes dos jogadores são totalmente contra essa ideia, ambos tentam convencer as pessoas de que sua proposta é a melhor, entretanto, a condição medo deverá ser usada de maneira inteligente, pois tanto os jogadores quanto o antagonista podem usa-la para conseguir um dado extra na rolagem e os convencer (vale ressaltar aqui que os jogadores utilizam de sua ficha para convencer a colônia e jogam contra a ficha do antagonista, entretanto o medo se encontra na ficha de colônia, sendo ambos da colônia, ambos podem usar a seu favor a situação, caso o exemplo trouxesse um embate entre um forasteiro e os líderes da colônia, somente aquele poderia usar tal conhecimento, uma vez que se pressupõe que o forasteiro não conheça as aflições dos habitantes do local).

Podemos listar como condições: “inspirados por um discurso recente”, “com fome/sede”, “enfurecidos por ação de alguém”, “desejando alguma forma de entretenimento”, “de luto por uma recente perda”, entre outras características da vida em coletivo.

4. Convicção

A Convicção aqui é exatamente igual a do jogo base, uma forma de se medir a esperança/moral da colônia, sendo usada para adicionar dados extras as rolagens como em um combate contra uma horda de mortos vivos ou lutando contra um assentamento de invasores.

O que muda é a possibilidade de tornar algo mais impactante no jogo através de condições especiais para a recuperação de pontos gastos, talvez seja necessária alguma forma de entretenimento ou de distração, como uma rádio local, uma arena esportiva, uma igreja ou até mesmo um bar.

5. Horrores

A colônia é o conjunto de sobreviventes que partilhem algum sentimento que os uma, então, tirando situações de caráter estritamente pessoal, é possível haver acontecimentos que fragilizem toda a colônia como invasões, traições, a perda de alguém querido na comunidade. Qualquer que seja a origem do trauma, o jogo se comporta da mesma forma, uma nova condição surge e a rolagem se faz necessária para ver se a moral da comunidade se abala permanentemente.

6. Jogabilidade

Agora que tem o básico para entender como funciona a organização da colônia na ficha, vamos para as mecânicas que podem ser implementadas com este novo fator.

Primeiramente o narrador deve perceber quão importante ele quer que a administração da colônia seja na narrativa, uma aventura mais curta não dá muita oportunidade para o desenvolvimento paralelo da colônia, salvo se a aventura se passar com enfoque na mesma. Uma aventura mais longa permite trazer complicações e oportunidades mais frequentes e presentear os jogadores com o sentimento de estarem alterando o mundo em que vivem.

Estabelecida a duração da campanha, faz-se necessário responder o quanto de protagonismo a Colônia terá na aventura, pode ser que o desempenho do assentamento determine algo na campanha, ou este será tratado como algo secundário, somente para quebrar a tensão da história principal.

Feito isto é hora de começar a parte “Governador” da pequena civilização emergente, opcionalmente o Narrador pode determinar a frequência com que a colônia passará pelas mãos dos jogadores, sugere-se que cada vez que retornem, salvo uma ou duas vezes para evitar que fique repetitivo, ou quando os jogadores sentirem a necessidade de realizar a manutenção do local que sejam dados os encontros.

Vamos partir da ideia de situações cada vez que os jogadores retornem para suas casas, nesse momento terão a opção de administrar o local, e isso será feito principalmente pela ficha do assentamento, na parte do inventário é interessante adicionar quatro itens, que serão o básico para mostrar como estão as coisas. São os itens:

  1. Nutrição

  2. Suprimentos

  3. Mão-de-obra

  4. Materiais

Suprimentos podem ser separados em mais categorias como munição, gasolina e medicamentos, mas não vamos complicar as coisas demais, essa adição foi feita para trazer mais diversão ao jogo (talvez em uma ambientação mais hardcore os jogadores prefiram uma dificuldade aumentada).

Como funcionará esses itens? Bom, é simples, a pequena vila possui os recursos em grande, média ou em quantidade insuficiente, ajudando o narrador na hora de manusear com a colônia, vamos passar brevemente por eles. A nutrição é toda a comida e bebida em estoque, a ausência não implica em consequências imediatas, mas se permanecerem por muito tempo assim, as condições “com fome”, “desnutrido”, “desidratado” começarão a aparecer, podendo levar a morte por inanição de pessoas da comunidade ou ao Êxodo de pessoas. A nutrição pode ser substituída não sendo mais uma necessidade externa caso sejam feitas melhorias no abrigo como um pasto, hortas, apicultura ou piscicultura, sendo importante lembrar que o tamanho da colônia determina se os alimentos são ou não suficientes.

Suprimentos são tudo aquilo consumível que não é comida, como explicado acima, são as ferramentas, armas, medicamentos, combustível, munições, vestimentas (em cenários muito frios, pode ser um fator diferencial), novamente, funcionam como os itens de Nutrição, ou há ou não há suprimentos, não importando em um cenário menos hardcore especificamente o que. Os suprimentos apresentam um impacto na rolagem de dados em questões que façam uso do abrigo, por exemplo um jogador ferido busca tratamento médico em seu assentamento que possui um veterinário capaz de operá-lo, além disso verifica-se que no local a ficha marca como os suprimentos presentes, logo dois dados deverão ser concedidos como vantagens para a rolagem.

Suprimentos são gastos na medida em que são usados de forma extensiva pelo grupo ou pelo assentamento, por exemplo para conter uma gripe, ou após uma longa batalha contra invasores.

Falaremos de Materiais antes de abordar Mão-de-obra, os materiais são critérios para a construção de melhorias na colônia, sejam elas estufas, muralhas, garagem, quartos, etc. Ao construir algo, determina-se a dificuldade do projeto e podem ser gastos suprimentos para conceder vantagens na rolagem de construção.

Finalizando, temos a mão-de-obra, um reflexo dos esforços em achar pessoas para o assentamento, na ficha vão exatamente o número de pessoas em características, contudo, no inventário, a cada grupos de 3 (ou mais em colônias muito grandes) sobreviventes o assentamento adquire um ponto de ação para ser gasto no dia, enquanto não completar grupos de três, os jogadores não podem usar mais de uma ação..

As ações podem ser rotineiras ou especiais (que ficam a critério do narrador – talvez uma disputa interna, ou resgatar um engenheiro famoso que pede socorro, concedendo bônus para o assentamento quando recrutado), entre as rotineiras os líderes do grupo escolhem entre buscar alimentos, suprimentos, materiais ou pessoas, ou ainda, construir algo e garantir a segurança do perímetro.

Exemplificando, o grupo de sobreviventes conta com 3 jogadores e 1 narrador, os sobreviventes são os líderes locais do abrigo onde vivem, junto com mais 5 pessoas (NPCs), logo totalizam em 8 pessoas, concedendo dois pontos diários de ação do assentamento. O grupo decide em dar uma pausa de sua aventura principal – vasculhar o prédio da Cerberus para obter mais informações sobre o vírus – e maneja os recursos de seu abrigo, percebem então que os zumbis vem tentando entrar em sua pequena colônia – uma quadra poliesportiva com algumas tendas espalhadas e cercada por grades enferrujadas de metal – e ameaçando a segurança dos sobreviventes, checando o inventário do abrigo notam que possuem materiais e decidem reforçar as grades com placas de madeira e arame farpado, além disso o grupo vê que a comida já vem sendo insuficiente fazem dias, então eis que optam pelo seguinte: O grupo composto por NPCs fica encarregado de fortalecer a grade enquanto as protagonistas vasculham por comida. Serão feitas duas rolagens (ou até mesmo, um encontro pode ser feito aqui, caso o narrador deseje) uma feita pela colônia que rolará somente uma vez para construir – uma tarefa fácil e que conseguiram tirar no dado o suficiente para alcançar o objetivo – enquanto o grupo rolará também só uma vez para ver se consegue comida – os integrantes podem possuir características que concedam vantagens que deverão ser aplicadas, entretanto, após a única rolagem por um do grupo (que encabeça a busca por alimentos), eles falham, retornando sem comida. Os trabalhadores garantem a segurança do local contra os infectados, mas a barriga vazia passa a trazer problemas para a comunidade. O próximo dia dirá o desfecho deste pequeno grupo de sobreviventes.

Com isso, você deve ter tudo que necessite para trazer uma dinâmica nova ao Terra Devastada. Para ajudá-lo fizemos uma ficha de Colônia que você pode baixar AQUI! Bom jogo e boa sorte sobrevivendo.

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