Por Ivan Coluchi
(A imagem que ilustra esse post é a Pedra da Galinha Choca, em Quixadá-CE)
Para muitas narradoras e mestres de RPG, uma das tarefas mais divertidas é a criação de mundos e cenários. Mesmo quando o jogo já vem com a descrição de um cenário, pode haver a necessidade ou vontade de acrescentar algum lugar moldado especialmente para a campanha a ser jogada ou incluir mais detalhes em alguma região menos mapeada.
Um dos impulsos de muitos criadores de histórias é colocar nomes únicos e exóticos em cada ponto do mapa. Porém, se olharmos para o nosso mundo, podemos ver que não é bem isso que acontece. Neste artigo, vou apresentar alguns padrões de nomeação que aparecem no mundo real e que podem ser usados em seus mundos de fantasia, para dar um tom mais realista ao seu cenário.
Descrições óbvias
Praia Grande, Campo Formoso, Campos Verdes, Rio das Pedras, Ilha Comprida, são todos lugares que já dão dicas de como é sua geografia logo no nome. Esses pontos costumam ser fáceis de referenciar visualmente, seja num mapa ou no horizonte, e têm nomes que surgem organicamente, ao serem usados como referência por viajantes e moradores. “A cabana do curandeiro? É logo depois daquela pedra alta e polida. Quando chegar na Pedra Formosa, vire à esquerda, ande mais um pouco e você vai encontrar o curandeiro.”
Descrições óbvias também podem ser usadas para avisar os viajantes sobre o que eles vão encontrar pela frente. “Vale das Sombras” cria uma expectativa bem diferente do que “Vale das Flores”. No entanto, a paisagem pode mudar com o tempo e nem sempre os nomes são atualizados. Isso pode ser usado pelas narradoras como uma ferramenta para surpreender os jogadores. Talvez a Caverna de Cristais já tenha sido completamente garimpada e esvaziada de cristais, talvez a Toca do Dragão seja agora o lar de um grupo de trolls, desde que o dragão foi derrotado. As personagens dos jogadores podem não saber dessas mudanças e se guiarem somente pela sugestão do nome, preparando-se para enfrentar um dragão e tendo que improvisar um novo plano ao encontrarem os trolls.
Reciclando
Nova York, Nova Amsterdã, Nova Inglaterra, Nova Escócia e muitas outras novas versões de velhos lugares costumam surgir quando populações migram ou impérios se expandem. Eles são nomeados dessa forma por nostalgia ou tradição, homenageando o lugar de onde os novos habitantes vieram. Mas também é uma maneira dos conquistadores deixarem bem claro quem são os novos donos daquele território.
Nomes nativos
Colonizadores expandem seus impérios sem muito respeito por quem estava lá antes deles chegarem. Porém, mesmo em casos de invasão hostil, é raro que uma cultura antiga seja completamente apagada. Vendo o mapa brasileiro atual, cinco séculos depois da colonização portuguesa, ainda encontramos muitos nomes mais antigos do que a chegada de Cabral: Anhangabaú, Ibirapuera, Anhembi, Atibaia, Butantã, Ipanema etc.
É possível que nomes coexistam, com certos grupos culturais utilizando o novo título, enquanto descendentes das culturas nativas utilizam nomes ancestrais para se referir aos mesmos lugares. Talvez esses nomes nativos possam dar dicas do que se encontra no local, dando vantagens para personagens que entendem os idiomas ancestrais.
Religião
Outro tema recorrente na nomeação de lugares é a religião, basta ver quantas cidades têm nomes de santos: São Sebastião, São Beneditino, São Paulo, São Vicente, São Petersburgo etc. Novamente, estes nomes refletem a cultura dos povos que ocuparam o local, indicando qual instituição religiosa é dominante ou que era dominante quando houve a nomeação.
Além de nomes de santos e padroeiros, algumas cidades e regiões também são nomeadas com expressões religiosas. Há o município de Feliz Natal, no Mato Grosso, por exemplo. Mas meu topônimo religioso favorito vai para a serra Deus-me-livre, em Goiás. Esse nome deixa bem claro que atravessar essas montanhas não deve ser um trabalho fácil.
Repetição
Algo que acontece com muita frequência no mundo real, mas que raramente é visto em mapas fictícios, são os nomes repetidos. Faz sentido que você queira nomes únicos para os lugares do seu cenário, isso facilita a navegação e a memorização. Mas não reflete como as pessoas nomeiam as coisas no mundo real.
As repetições costumam ocorrer com nomes que são simples, curtos e comuns. Só no Brasil, existem 5 cidades chamadas Bom Jesus e 4 cidades com o nome Bonito ou Planalto. No entanto, alguns locais têm nomes repetidos de propósito. A cidade de Memphis, nos Estados Unidos, recebeu esse nome como homenagem à outra grande cidade que também ficava no delta de um rio (Memphis, no delta do rio Nilo).
Os nomes dos locais no mapa podem influenciar diretamente a atenção e curiosidade dos jogadores. Também podem criar confusões, com nomes repetidos, ou expectativas que não correspondem mais à realidade do local, com nomes desatualizados. Ao nomear os pontos do seu cenário, leve em consideração o histórico do local (seus colonizadores, seus nativos, sua geografia etc.) e você conseguirá criar um mapa mais orgânico e cheio de vida.

Curtiu? na RolePunkers você encontra artigos como esse e muito mais! Assine em https://www.catarse.me/punkverso