Gary Gygax e os críticos
por Thiago Rosa
Os acertos e falhas críticas estão entre os elementos mais fortemente associados ao RPG de mesa. A ideia de efeitos catastróficos quando obtemos o pior resultado nos dados e de efeitos sensacionais, quando obtemos o melhor resultado possível, aparece em vários jogos e é frequentemente representada por outras mídias, quando decidem retratar o RPG de mesa.
Crítico dos “críticos”
Um ilustre opositor das mecânicas de falhas e acertos críticos, os famosos “críticos”, foi Gary Gygax. Ele mesmo, um dos criadores de Dungeons & Dragons. Não é como se ele não gostasse da ideia, ele realmente odiava essas mecânicas. Um exemplo registrado de tal ódio está na edição 16 da revista Dragon, de julho de 1978:
“O ‘acerto crítico’ ou ‘dano dobrado é particularmente ofensivo aos preceitos de D&D.”
Quando acertos e falhas críticas são usados, de acordo com Gygax, todo o sistema é distorcido e o jogo, possivelmente arruinado. Posteriormente o acerto crítico ou sucesso decisivo, foi incorporado ao sistema de D&D, contrariando o desejo de Gygax. A falha crítica, porém, continua fora do jogo até hoje, exceto por regras opcionais.
Por que “críticos” são ruins?
O principal argumento dos detratores contemporâneos dos “críticos”, é de que são injustos contra os personagens. Como um personagem jogador é alvo de mais ataques que qualquer monstro ao longo de sua jornada, ele vai sofrer muito mais ataques críticos. Da mesma forma, ele faz muito mais jogadas de ataque que qualquer monstro, então também está muito mais propenso às falhas críticas.
Na atual edição de D&D, um guerreiro pode atacar quatro vezes numa rodada, nos níveis mais altos. Ele tem 19% de chance de rolar pelo menos um 1, quando faz esses ataques. Que bom que D&D não tem falha crítica, certo?
Não era essa a crítica de Gygax, porém. Ele via (com razão, aliás) a simplicidade como uma das maiores qualidades de seu D&D. A resolução era completamente binária – sucesso ou falha. Todo o resto dependia exclusivamente das decisões dos jogadores e do mestre. Dessa forma, o uso de falhas e sucessos especiais influenciaria nas ações dos jogadores, diminuiria a autoridade do mestre e complicaria a resolução de conflitos.
Independente dos detratores, do passado e de agora, os acertos críticos se tornaram muito frequentes. O próprio D&D acabou por adotá-lo, primeiro timidamente, com efeitos do 20 natural em algumas armas, depois, nas regras gerais e centrais do jogo, à partir da terceira edição.
“Críticos” selvagens
Jogos modernos como o Savage Worlds (editado pela RetroPunk Publicações), entendem esse problema e diminuem a chance de uma falha crítica ocorrer. A regra dos olhos de cobra (snake eyes) indica que ela acontece somente quando dois resultados 1 são obtidos, tanto no dado de teste quanto no dado selvagem. A chance de um resultado 1 em uma rolagem com um d20 é de 5%, a mesma chance de qualquer outro resultado. A chance de um resultado 1 em dois d6 (ambos rolam 1) é de aproximadamente 3%. Mesmo na pior situação possível, rolando um d4, um personagem carta selvagem acresce o dado selvagem e tem 4,2% de chance de falha crítica, que ainda é menos que em D&D. E quanto mais eficiente um personagem carta selvagem se torna, menor a sua chance de falha. Com um d12 (acrescido do dado selvagem), ela é próxima de 1%.
Quando se trata de sucessos decisivos, Savage Worlds adota uma postura dupla. Primeiramente temos a explosão de dados – quando você obtém um resultado máximo, joga o dado de novo e soma ao resultado original. Também temos a ampliação, quando você consegue uma soma de 8 em vez de 4. Você pode ter mais de uma ampliação ainda, permitindo um “crítico duplo” ou mesmo um “crítico triplo”.
Confira na tabela abaixo um estudo rápido das probabilidades de sucesso, ampliação, falha e olhos de cobra em Savage Worlds. Quanto mais eficiente o personagem, maior a chance de um grande sucesso e menores as chances de uma falha catastrófica. Isso torna a evolução muito recompensadora, sem deixar de estabelecer que mesmo os mais habilidosos ainda são passíveis de falha.
Dado | Chance de Sucesso | Chance de Ampliação | Chance de Falha | Chance de Olhos de Cobra |
d4-2 | 33% | 8,3% | 67% | 4,2% |
d4 | 50% | 13,8% | 50% | 4,2% |
d6 | 50% | 13,8% | 50% | 2,7% |
d8 | 62,5% | 13,8% | 37,5% | 2,1% |
d10 | 70% | 30% | 30% | 1,7% |
d12 | 75% | 41,7% | 25% | 1,4% |
d12+1 | 83% | 50% | 17% | 1,4% |
d12+2 | 91,6% | 58,3% | 8,4% | 1,4% |
Hora de falha crítica? Acho que não!
Curiosamente, um dos poucos sistemas de RPG contemporâneos que se alinha com a visão de Gygax é Hora de Aventura RPG. Nesse jogo, todas as falhas têm consequências, mas não existe um grau de falha maior do que apenas falhar.Existe, porém, um modelo de sucesso magnífico. Um resultado 6 no dado (ou a carinha de um personagem, se você usar os dados de personagens) ou concede um efeito adicional ou um dado extra a ser lançado, semelhante ao que acontece em Savage Worlds. Isso se alinha perfeitamente com a ideia do jogo: criar momentos engraçados, mas evitar frustrações e manter as jogadas rápidas e dinâmicas.
Conclusão
Gygax podia não gostar de acertos críticos ou falhas críticas, mas eles vieram para ficar. Felizmente, ao longo dos anos, os designers aprenderam a utilizá-lo de formas mais interessantes e matematicamente apropriadas que 20 = bom e 1 = ruim.
Eu particularmente não gosto da medida de D&D e outros jogos “tudo-ou-nada”. Mesmo sem fumble, que sempre achei ruim, prefiro graus de sucesso e falha, especialmente porque o sistema meio que caga pras decisões dos jogadores e da história. Por isso, já que preciso mestrar D&D (meus jogadores não querem jogar outra coisa), uso um esquema de plot points pra tirar um pouco desse gosto ruim.